quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Ex-futuro

         “Será que L. é?” é meu projeto de escrita mais valente. Tem a ver com a gana de me explicar para mim diante dos outros. Fui para frente do espelho nesse blog e procurei olhar para o que eu via. No último dos vinte tempos que eu dediquei a esta página concluo que vi alguém ofendido pelo desrespeito, aberto ou discreto, praticado por terceiros contra a lógica sexual dos gays. Aprendi essa indignação na teoria com o movimento feminista e na prática com os amigos. Acho insustentável tolher direitos por orientação sexual e, literalmente, coisas do gênero.
A princípio, “achar” isso não desfaz a injustiça inerente ao mundo, afinal, “debaixo de toda a vida contemporânea encontra-se latente uma injustiça profunda e irritante: a falsa suposição da igualdade real entre os homens”. Somos desiguais e pensamos igualmente desiguais.
Enraizada à homofobia está a intolerância. Discuti tolerá-la ou não. Levantei-me contra o trabalho discriminatório de igrejas, que expõe a condição sexual à noção de pecado. A questão é que igrejas trabalham sempre sob essa perspectiva. E se parece injusto repudiar a homossexualidade, que dizer do pecado original, aquele do qual sofre-se a condenação antes de se existir e torna-se réu a partir do nascimento?
Melhor é não discutir religião. Ela é cega de razão e quem lhe devota préstimos assim faz por confiança absoluta; e absoluto não é um pedaço: é o inteiro. Não adoto porque me acho desconcertado, pós-moderno ou inacabado. A vida, para o meu entendimento, não está arrematada e por aí não consigo suportar o peso desse bloco que tudo explica, de por que viemos até para onde vamos. Minhas pretensões de conhecimento são menores, céu abaixo.
Parei para observar gentes e a maneira ortodoxa como elas se comportam. Elas se comportam demais. Não se atrevem. Eu me atrevo a dizer que tendemos a sufocar em nós aquilo que vai contra a admissão dos outros. Por isso há gays que transam como héteros. Por isso há falsos héteros que não transam como as freiras. Por isso que tem hétero convicto que pode vir a ser gay. Por isso tem gay que pode deixar de ser. Por isso a bissexualidade – que para uns é dúvida e para outros é privilégio – é uma aceitável modalidade. Por isso é possível não ser nada dessas coisas para poder usar todas elas e soltar quando desgostar.
Fiz isso com profissão, com amigos, com projetos, com namoros, com estilos, com cursos, com trabalhos e agora com esse meu blog. Eu visto a camisa, mas tiro para lavar.
Antes de apagar a luz e fechar a porta; antes que você se pergunte: Será que L. é?, eu me pergunto: Será que eu sou o L.?

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A gente se vê por lá?

         Rafael Puetter teve o vídeo censurado para menores de 18 anos no You Tube. A aplicação da maior classificação restritiva possível se deveu à sátira a cenas de novela que escondem os beijos entre pessoas do mesmo sexo, ainda que tais pessoas existam como personagens. Esse ano a discussão esteve mais aguda pelo maior “povoamento por metro quadrado” de gays nos enredos de folhetins; como uma cota.
         Há muito tempo que existe e nenhum corte se impôs sobre a troça e rotulagem que fazem de homossexuais. Se a novela lança o produto da moda, o bordão, também lança o olhar da moda. A gente se vê no “por aqui” da Globo que é a tevê.
         Como a sociedade se vê gay?
         O núcleo de humor, malemolente, sem vida interessante para protagonizar e, portanto, oferece suporte para quebra das partes sérias e profundas.
         Ensaia-se uma discussão maior como na novela Insensato Coração. Nos bastidores, soubemos do embate travado entre os escritores da novela e a emissora, que pediu trégua, panos quentes e menos peso na mão. No SBT Tiago Santiago também recebeu seu não.
         Nas emissoras acusaram a má recepção da audiência para “estas cenas”. Do Google, Felix Ximenes disse que a classificação pode ser substituída por menção ao “choque” que as imagens podem causar.
         A coreografia de penetração no novo clipe da Lady Gaga está aí, arrasando. Nunca se viu nas últimas décadas um capítulo de novela sem beijo entre os de sexo diferente. Se sim, rara excessão ou infantil.
         As novelas fabricam seus vilões, seus assassinatos, seus heróis, seus modelos e muito mais a sexualidade heterossexual, que é a metade cheia do copo. Para os gays, a metade vazia. Quando muito, há gotas de concessão, só para aliviar a crítica de eventuais sedentos.
         Alguém se arrisca a responder como nos vemos gays na tevê?

domingo, 7 de agosto de 2011

A não ética protestante e o espírito de porco do capitalismo

         Parte do protestantismo foi sequestrada por interesses de mercado e de poder. A cegueira da fé também se fez ver na transferência de dinheiro e de voto dos fiéis para seus profetas. Os fatos explicam que eles são falsos na forma como se apresentam. O crente que cumpre com o papel de oferecedor acata e silencia muito mais que questiona e cobra. A transparência poderia superar a falta de claridade nas medidas ambíguas de lideranças religiosas.
         Quem leu O Bispo – A História Revelada de Edir Macedo (2007) precisa pensar em “de onde vem?” para compreender para onde a leitura pretende te levar. “Minha preocupação foi falar de um líder religioso, que é meu patrão, sem agredi-lo. E, ao mesmo tempo, sem deixar de perguntar o que todo mundo quer saber. Foi nesse fio da navalha que nós caminhamos. No capítulo ‘Dia na Igreja’, eu pergunto sobre a exploração de miseráveis”, descreveu o autor Douglas Tavolaro, vice-presidente de Jornalismo da Rede Record.
         A começar pela iniciativa do livro, que é do próprio biografado, a saia justa seria não perguntar sobre “exploração de miseráveis”, já que é a persuadir que o livro veio. Onze dias da passagem de Edir Macedo pela prisão, em cela especial de uma delegacia paulistana, são narrados como um épico de 11 anos. As perguntas embaraçosas vêm a calhar quando o que se quer é ganhar a dianteira e surpreender no jogo de cena. Década e meia desde a prisão, natural que o autoproclamado bispo tenha maturado o “como explicar?”. O combinado saiu caro porque a pergunta ensaiada “tira do repórter sua principal arma que é a segunda pergunta”. Recebi esse ensinamento profissional (veja a coluna) de minha jornalista favorita, Miriam Leitão, que converge para si a característica de protestante e a qualidade de ética.
         A obra de Odêmio Antonio Ferrari (Bispo S/A – A Igreja Universal do Reino de Deus e o Exército do Poder), de 2007, dá conta dos fenômenos nada paranormais que levaram aos céus patrimônio e domínios da IURD. A “subversão da matriz evangélica” dotou de perfil empresarial – com direito a segmentação da clientela – o projeto religioso esteado na trindade Exorcismo, Prosperidade e Cura. O bispo Macedo é evocado nos cultos da igreja como exemplo que “alcançou a meta de ser rico”.
         Alcunhar de comércio da fé é só um aspecto da tendência; assim como dizer que as consequências da sustentação pela base da cadeia – os fiéis – recaem sobre eles próprios, porque há contágio desses efeitos para mais camadas da sociedade. Numa linha rápida de causa e efeito, desautorizar homossexuais não coibe a violência contra os mesmos, ao contrário, arma o ringue para lutas contra livres. Não é do feitio da igreja literalmente bater, mas um argumento bem espelhado chega aos ouvidos de comedores de ouvidos de gays, como o que mastigou o de um pai que abraçava o filho e foram confundidos com um casal de homossexuais. Tornou a acontecer no Rio: outro confundido que apanhou sem merecer, afinal, não era gay. Quer dizer, esse dízimo que igrejas dão para a homofobia pode ser modesto, mas é miraculoso na multiplicação irrestrita dos focos de intolerância.
         O dia primeiro de agosto foi o primeiro dia dos 21 que decorrem do Jejum de Daniel, proposto pela Igreja Universal. A proposta é de desintoxicação audiovisual e, para tanto, nessas três semanas, não se pode ver nem ouvir mensagens mundanas. A cláusula implícita da faxina espiritual é não ver o canal do qual o próprio líder iurdiano é dono: a Record. Programas como “A Fazenda 4” são negação de princípios morais da Universal, mas mal necessário para leis da concorrência. Ato falho: Macedo pede que os fiéis não vejam a sujeira que também ele produz.
         Mais que jejum audiovisual, lavagem cerebral.
         A perspectiva da ação é promover o novo canal da igreja na internet, a IURD TV, inaugurada este ano. Antes da sequência de postagens diárias relativas ao Jejum de Daniel, o texto do dia 30 de julho traz como título o nome da emissora, embora dela diga pouco. Há uma frase imperativa (“Assista à programação da IURD TV”); outra (“Clique no link”) seguida de endereço para acesso; uma foto de Edir Macedo diante de um microfone em um estúdio de rádio; e um texto mais robusto, com novo título e tudo:

Toque do Espírito

Se neste momento, enquanto você lê estas palavras, sentir-se tocado por um enorme desejo de ajudar na construção do Templo de Salomão, esteja certo: o Espírito Santo é Quem opera essa vontade.

… porque Deus é Quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a Sua boa vontade.” Filipenses 2.13

Se você foi tocado, então envie seu donativo para:

Banco do Brasil
Igreja Universal do Reino de Deus
Agência 3221-2
Conta 1257-2

Banco Bradesco
Igreja Universal do Reino de Deus
Agência 3396-0
Conta 0240-2

OU

Você pode contribuir também pela internet. Acesse: doacao.arcauniversal.com

Um pedido:
Quando fizer seu depósito bancário, coloque o recibo do depósito em um envelope e entregue na IURD mais próxima de você.
Ou então, envie para o seguinte endereço:  Rua Missionários, 139- Jardim Caravelas – Santo Amaro – SP   CEP  04729 000
Esse recibo é importante para acusar o recebimento do seu donativo.
Seja abençoado em o Nome do Senhor Jesus Cristo.

         A concentração de conteúdos religiosos em um só canal desobriga a Record de ser emissora oficial da Universal. Ela é devedora disso e cai mal à reputação. A igreja não tem espaço privilegiado dentro da emissora do próprio bispo. O horário nobre fica para a disputa predatória com a Globo, os balanços gerais de quanto sangue é derramado no dia, bundas, peitos e toda a chulice da Fazenda que, imagino, não transmitem adequadamente a obra cristã.
         O espaço dado à Igreja Universal não vale as centenas de milhões que ela paga por horários ruins e pouco assistidos da Record. A vantagem de ser um dinheiro de origem não tributada, como são os lucros de igrejas, vale.
         O empresário Silvio Santos acha que a enxurrada de recursos dessas fontes que incha a receita de emissoras televisivas é concorrência desleal.
         Em âmbitos terrenos, sem a chantagem de apelar ao divino para tudo justificar, onde está a ética senão corroída pelas manobras de mais poder e de mais enriquecer?
         Há quase 11 anos a revista Veja publicava a matéria “Templo é dinheiro”, sobre o empresário, dissidente da Igreja Universal do Reino de Deus e líder da Igreja Internacional da Graça de Deus Romildo Ribeiro Soares, o R. R. Soares, à época campeão de aparições na televisão brasileira. Ele é casado com a irmã de Edir Macedo e gastava naqueles tempos 2,5 milhões de reais em contratos com a televisão. “Mas o investimento dá frutos. Apenas no último ano (o 2000), período em que apareceu no horário nobre da Gazeta, Soares aumentou o número de seus templos de 500 para 700. Estima-se que tenha hoje 500.000 seguidores ou "associados", como gosta de dizer, espalhados entre o Brasil, o Uruguai e Portugal”, calculou a reportagem.
         Onde escondeu-se a ética protestante quando os fundadores da Igreja Renascer em Cristo, Estevam e Sônia Hernandes, foram presos no aeroporto de Miami contrabandeando dólares até na capa da bíblia?
         Exemplos têm-se aos bocados, mas eles se comunicam com outros maus exemplos.
         Crescem casos de corrupção na política como cresce nela a representação evangélica. Mais e mais pastores políticos são Os Escolhidos para disputa de cargos eletivos. Pela facilidade de estarem acima de propostas e compromissos com o País. A transferência de votos pela sobreposição das figuras de líder religioso e candidato é uma realidade e um retrocesso. A fé cega nos políticos é uma brecha irresponsável. A verdade é que poucos querem se comprometer com o desgaste de vigiar seus representantes.
         Alheios à necessidade de se moralizar a própria política – lugar do qual falam , pessoas como o vereador evangélico Carlos Apolinário (DEM-SP), criador do Dia do Orgulho Hetero, comemoram o desvio de atenções do que importa (a corrupção que praticam com a coisa pública) para o que não importa (a vida afetiva que indivíduos praticam privativamente).
         Sobre o dia em louvor à homofobia (motivo manifesto de vergonha para heterossexuais), o deputado federal Jean Wyllys (PSOL) escreveu ao prefeito de São Paulo: “caro prefeito Gilberto Kassab, qual não seria o retrocesso brasileiro caso vossa excelência sancione a lei aprovada pela Câmara de São Paulo. O Dia do Orgulho LGBT (assim como o Dia da Consciência Negra ou o Dia da Mulher) corresponde a políticas públicas que visam construir a equidade por meio de um tratamento desigual para os desiguais e, ao mesmo tempo, contrapor os discursos que historicamente posicionam os homossexuais (assim como os negros ou as mulheres) como subalternos e descartáveis, destruindo sua autoestima.”
         Jean “tuitou” uma tese importante: “a direita fundamentalista tem investido pesado na perseguição aos LGBTs como cortina de fumaça. A direita fundamentalista sabe que os temas ‘morais’ chamam mais a atenção da população, desviando-a da fiscalização da corrupção. Se as pessoas repararem direito, verão que são muitos desses moralistas perseguidores de LGBTs que estão envolvidos em corrupção pesada. A maneira como LGBTs amam e celebram seu orgulho não destrói a família brasileira; o que destrói é a corrupção. A corrupção destrói a família na medida que drena o dinheiro da saúde, da educação, da segurança pública e da habitação.”
         Datena revelou que, dentre as coisas que o fizeram sair da Record, estava a impossibilidade de falar de agressões contra homossexuais. Para ele, cronista da violência, um prato cheio, transbordante, já que não cessam as ocorrências. Para ela (Record), uma cicatriz que merece maquiagem.
         Em nada a existência de homossexuais atenta contra a existência do protestantismo. O mundo é grande e nele cabemos todos. Mas no mundo fundamentalista só há espaço para quem adere às regras da seita.
         Nos campos de concentração, o triângulo rosa carimbava homossexuais na roupa. Os requintes de crueldade mudaram com o tempo e até hoje há quem ponha triângulo rosa nos gays. Não é para protegerem-se do demônio – um personagem inesgotavelmente solicitado nas transmissões televangelistas, incorporado nos seus fiéis. Parece uma constatação provocativa, mas, para efeitos espetaculares, o demônio está com eles. Tem que haver um patrono forte que ilustre o prejuízo de não doar tudo o que fulano tiver para a igreja, como simbolizou aquela criança de 9 anos retratada no vídeo orgulhosamente postado pelo bispo Edir Macedo em seu blog.
         Na mídia, a finalidade de espetáculo se faz sentir logo na fachada: tipo o nome “Show da Fé” para dar nome às pregações de R. R. Soares. Valdemiro Santiago, “apóstolo” da Igreja Mundial do Poder de Deus, opera milagres diante da tela. Uma tia, que há alguns anos sofre de esclerose múltipla, uma doença degenerativa e triste, desencantou com o poder de cura, não recebeu a graça como achou que fosse acontecer quando se deslocou rumo ao imenso culto realizado para milhares de pessoas em Goiânia, há algum tempo.
         Apesar disso, a fila anda, e a tevê continua a reverberar os casos de sucesso do benevolente Valdemiro. Na liturgia, a culpa pode ser de minha tia, mulher de pouca fé, mas acabo não conhecendo os de muita. Você conhece alguém do seu convívio que tenha recebido a graça diariamente televisionada? Ou alguém que tivera arrancado de si o diabo com a mãozinha santa de algum exorcista da Universal? Até que ponto dar vida digna aos gays lhe faz mal? Abrir os olhos para o que faz o pastor tem que indecorosidade? Malhar a orientação sexual de homossexuais tem que grau de positividade?
         Fazer a segunda pergunta ao pastor, procurar entender por que descobrir um santo para cobrir outro, questionar o cinismo das comemorações tripudiantes em relação às discriminadas minorias não é o caminho mais fácil da profissão de fé. Mas quem disse que seria fácil?
         Há uma parte protestante que precisa descortinar a identidade das imagens ora adoradas, desmascarar falsos profetas e reaver o protestantismo das mãos dos ímpios. Consumidos pelo espírito de porco do capitalismo, uma ala corrompida e sem os escrúpulos da doutrina tem cegado não apenas fiéis, mas a ética protestante, ainda presente em mãos exemplares como de Miriam Leitão, Marina Silva e outros congêneres sufocados pelo joio cultivado por mãos muito mais poderosas (e muito menos ou nada chagadas) que as de Deus.

domingo, 31 de julho de 2011

Mostrando o pau

         Se, na Constituição Federal, “a busca à felicidade” se tornar mesmo um objetivo em que o Estado e a sociedade se comprometem a “oferecer condições para”, uma troncuda cultura precisará ser demolida entre retoques e plásticas.
         A Proposta de Emenda à Constituição nº19 (PEC da Felicidade), de autoria do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), possui alinhamento com a compreensão da ONU de que a felicidade é “um objetivo humano fundamental”.
         Eu caço meios para conseguir a minha. No Congresso tem parlamentares que cassam esses meios. Ou eu chamo esses sujeitos de maioria e provoco indignação de políticos que se digam dignos do posto que ocupam ou os chamo de mais fortes que os demais colegas – os bonzinhos.
         As bancadas ruralista e evangélica sofreram um inchaço e contam com quase 190 participantes. Na prática, isso significou lobby em discussões como sobre Código Florestal, trabalho escravo, latifúndios, cota de participação de mulheres no parlamento, aborto, crimes contra homossexuais.
         Quanto mais cheias, mais poder é imputado a tais alas. Têm natureza conservadora e são determinantes para subida e queda das leis. Consigo enxergar com nitidez lucros puxados para os dois grupos. O antidemocratismo do fato é que esse conjunto panfletista é parte e fatura como se fosse o todo social.
         A tacanharia pode ser vomitivamente contemplada na aptidão dos dois grandes grupos suprapartidários para governarem em favor de si e na inépcia dos mesmos no que dita a combater a corrupção. Antes disso, promovem-na. Os casos vergonhosos da primeira metade do ano, a meu ver, são: as vaias disparadas por ruralistas quando falado na tribuna da Câmara sobre a morte do casal de extrativistas em Nova Ipixuna (PA); e as negociatas de Anthony Garotinho, vice-presidente da Frente Parlamentar Evangélica e réu condenado pela Justiça a dois anos e meio de prisão por formação de quadrilha.
         Tendo acabado de matar a cobra, nada mais possível que mostrar o pau e a linhagem de políticos dos céus e da terra, capazes de fazer brochar a felicidade de ambientalistas, ativistas de direitos humanos e, provavelmente, também a sua...




sexta-feira, 29 de julho de 2011

A pergunta que não quer calar

Se no alto dos 20 anos Douglas Igor Marques parou de sair de casa à noite e sente receio de lidar com heterossexuais é porque, aos 19, sentiu na pele o tiro dado pelo sargento acusado de homicídio duplamente qualificado. Ainda na hipótese, se Douglas tivesse morrido, entraria para a estatística dos mortos por homofobia no Brasil – o país que se reserva o discurso de aceitar o homossexual, mas condenar a prática dos homossexuais. Assim sendo, Ivanildo Ulisses Gervásio teria atirado na atitude do garoto que participou da 15ª Parada Gay do Rio e foi agredido verbal e fisicamente pelo militar. Como a atitude é obrigatoriamente a pronúncia de um corpo, o acolhido homossexual só foi atingido por – veja só que incomum! – praticar a rejeitada homossexualidade.
O nome dessa “acolhedora repulsa” cambia entre a incoerência dos que não pensam sobre o que falam e a hipocrisia dos que medem tim-tim por tim-tim o que discursam.
O televangelista Silas Malafaia discursou o amor fraternal por gays e abominou não apenas a prática como o projeto de defesa a ela: a PL122. Sabe o que ele fala, em vídeo que percorre o You Tube, a respeito da reprovação pelos congressistas da lei que pune homofobia?
“É claro que não vão aprovar nada. Porque deputado e senador não é besta. Evangélicos e católicos são maioria nesse país, e nunca os evangélicos e católicos... nós andamos juntos porque temos diferença doutrinária, mas nesse assunto nós estamos juntos. E nós não vamos dar mole pra deputado nem pra senador que apoiar uma vergonha dessas, e eles são inteligentes e sabem que vão entrar numa podre se apoiar uma pouca vergonha, um lixo moral e uma lei esdrúxula que não tem em lugar nenhum do mundo. Eu quero dizer aqui, aos senhores, que Conselho de Medicina, de Odontologia, de Engenharia, de Psicologia, até estatuto de igreja evangélica... vocês podem botar o que vocês quiserem: se ferir o preceito constitucional, não é válido. Eu vou lembrar aqui a frase do ministro relator que liberou a marcha da maconha, que eu sou contra porque maconha é crime, mas o ministro, o relator, ele diz o seguinte, o ministro Celso de Mello: ‘O pensamento deve ser livre, sempre livre, permanentemente livre’. Já tem um parecer do Supremo Tribunal Federal pra maconha, que é crime; o cara pode fazer passeata a favor. E eu não posso falar contra a prática dos homossexuais. Eu vou aonde quiserem. Eu vou até ao Supremo Tribunal Federal. Não pensa que vão me calar não”.
Se há quem o queira calar, passou ao largo de mim, que trouxe a transcrição da fala do pastor para repercutir neste espaço. Malafaia teme a criminalização da homofobia pois, se o motivo de ser contra a maconha é o fato de ser crime, tornada crime, a homofobia terá de ser defrontada por ele, que a utiliza não às vias fato, mas no verbo disparado pela língua acobertada de um manto divino chamado estou-certo-porque-digo-que-falo-em-nome-de-Deus-e-está-errado-quem-fala-contra-minha-palavra.
Setenta e sete por cento dos evangélicos ouvidos pelo Ibope desaprovam a união estável entre casais do mesmo sexo. De acordo com a pesquisa, é a parte da balança que mais pesa pesado contra a igualdade de direitos entre casais de mesmo e de diferente sexo. Mais que pessoas com mais de 50 anos (73%); mais que quem estudou até a quarta série do ensino fundamental (68%); mais que homens (63%); mais que as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste (60%); mais que a média brasileira (55%).
A preocupação doutrinária com uma lei que puna a homofobia é imensa para lideranças evangélicas porque eles temem ser punidos.
Para não abrir precedente, o deputado Anthony Garotinho, vice-presidente da bancada evangélica no Congresso (composta por mais de 70 deputados federais), fez chantagem com o governo na época do caso Palocci, quando chamou o ex-chefe da Casa Civil de diamante de 20 milhões. Garotinho chegou a assumir a conduta.
“Hoje em dia, o governo tem medo de convocar o ministro Antonio Palocci. Temos de sair daqui e dizer que, caso o ministro da Educação não retire esse material (o kit anti-homofobia) de circulação, todos os deputados católicos e evangélicos vão assinar um documento para trazer o Palocci à Câmara.”
Ou seja, a depender da “troca de favores”, Palocci escaparia.
Já o presidente da bancada evangélica, o deputado, delegado e pastor João Campos questionou a veracidade dos números de assassinatos no país decorrentes de homofobia.
“Estão dizendo que, em todos os casos de assassinato de homossexuais, a motivação foi a homofobia. Será que é verdade? Qual o perfil dos autores desses assassinatos? São os companheiros ou terceiros? Será que tem alguma motivação relacionada com droga, álcool, prostituição? Será homofobia ou o gay está sendo vítima de violência da mesma forma que o heterossexual? (...) Nós precisamos passar essas informações a limpo, para ninguém ser induzido ao erro”.
Concordo que gay está sendo vítima da mesma violência que heterossexual. Esses dias, além de agredido, um pai teve a orelha decepada por abraçar o filho e aparentar serem um casal gay.
Se a bala que disparou contra Douglas tivesse lhe matado e ele se juntasse às estatísticas de mortes no Brasil decorrentes de homofobia, seria mais um silenciado de quem João Campos poderia questionar o mérito do assassinato. Como delegado e, portanto, conhecedor dos bastidores policiais, aposto que ele bem sabe o quão mortos não se defendem nem da sanha de policiais que matam por amor ao gatilho.
Sem incoerência, sem hipocrisia, a pergunta que o Ibope não fez é: quanto dos 77% confunde homilia com homofobia?

segunda-feira, 25 de julho de 2011

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Sábado de cinzas, domingo da paixão; me debelei no final de semana. Eu não soube sofrer a morte de Amy Winehouse e acompanhei à distância os casamentos em Nova York. A sensação é de deslocamento, de não ser fisgado pela bossa que a todos açoda. O trocadilho é involuntário, mas sou gago pra cantar Gaga. Qualquer dancinha de boate me faz o sujeito mais estranho da face da pista. A vantagem que sinto em Amy é a fidelidade ao destino sem evitação de infortúnios. Cheiro os meus problemas. Chafurdo a minha lama. A diferença é que morro anônimo aos noventa. Não sou de lançar tendência. Alexander McQueen é. Sou cheio de dizer não. 'Não' não basta. Tem que dizer "não, não, não". Não é do meu temperamento desbaratar palavras com angústias, essas que, com tensão... disse anteontem Beauvoir, na página vinte e dois que estava no livro sobre a mesa empoeirada na fazenda: “a angústia e a tensão da existência autenticamente assumida”. É isso que eu acho, é isso que eu tento para mim. Troquei o certo na mão pelo pássaro duvidoso voando. “Não se sabe muito precisamente o que significa a palavra felicidade”. Só vejo relevo mercantil para querê-la. Depressão também é produto, induz ao consumo. Escolha qual a dose indefectível pra sua garganta enquanto eu postergo a atitude existencial na tentativa falível de um clímax aqui no blog.
Enquanto você também não vai de vez como um Heath Leadger nu com mãos no bolso, volte sempre!

domingo, 24 de julho de 2011

Não abrace, não mostre. Não pergunte, não conte

Nossa política disfarçada de alimentar o preconceito está sofrendo quebra de sigilo. Não é que mais pessoas encontram-se em pleno estado de consciência sobre quanta homofobia se pratica no Brasil. Este mês, o britânico The Guardian noticiou como a prefeitura do Rio tem batalhado para se tornar capital mundial do turismo gay. Ano passado, a comunidade LGBT representou um quarto das visitas à cidade.
O entrave, porém, está cartografado: o Rio de Janeiro está no Brasil, e o Brasil está ranqueado como o mais homofóbico do mundo. Em 2009, a cada dois dias um homossexual foi assassinado no país. Segunda e terceira colocações (México e Estados Unidos) registraram, respectivamente, 35 e 25 casos que, juntos, são 30% das mortes brasileiras.
Concluindo: ganhamos perdendo.
Ou, concluindo ainda melhor: ganhamos perdendo com folga; e no longo prazo.
Homofobia é uma das caligrafias possíveis para dizer violência. Racismo é outra variante. No mês anterior, pelo campeonato russo, o jogador Roberto Carlos deixou o campo visivelmente chateado após jogarem uma banana no gramado. Em março a seleção brasileira “provou da mesma fruta” jogando em Londres. O volante Lucas precisou retirar a casca de banana jogada da arquibancada. A vitória de 2 a 0 contra a Escócia garantiu a derrota do Brasil para o preconceito.
         O discriminado é um passageiro de segunda classe. Mas todos os envolvidos – agressores e atacados – viajam o mundo na direção contrária ao embarcar com itinerário que leva do presente para o passado.
         A violência simbólica da casca de banana é a mesma na qual tropeçam homossexuais sob discursos irados de um bocado de líderes religiosos que tenta arrogantemente ultrapassar Deus, superando a tese de amar o semelhante (e quer mais semelhante do que alguém que tenha o mesmo sexo que o seu?) para excluir de gays a “salvação” – a não ser que nos arrependamos...
         (“Deus, estou arrependido de ser gay. Acho uma pena ter passado esses anos desejando homens enquanto há tantas mulheres por aí. Sei que é por temor a ti que verdadeiros cristãos atingem a ereção pelas cristãs. Não é nenhuma libido que os move, apenas a necessidade de perpetuação da espécie e de culto ao Senhor. É a vontade de reprodução que os leva ao sexo, já que o sexo pelo simples prazer do gozo é uma conspurcação. Sei que se fosse determinado pelas escrituras sagradas o desapego de sua orientação sexual [como foi a Jó determinado desapegar-se de seus bens], os heterossexuais tementes não teriam o menor problema em passar a desejar outros homens e seus paus seriam indiferentes a qualquer decote feminino. Tenho certeza de que alguns heterossexuais, sendo maioria e historicamente tendo mais voz na sociedade, não se aproveitam do fato de gostarem do sexo oposto para dizer que este jeito é o correto em relação ao outro”).

         Quando o pastor Silas Malafaia esteve em audiência pública da Câmara Federal para discutir o Estatuto das Famílias, a televisão foi mencionada como vilã na degringolada deste núcleo social. Ele advertiu que nós sabemos quem está por trás, operando a mídia. Claro, ele não falava diretamente do demônio, mas de pessoas que contrariam sua doutrina.
         O fracasso dessa defesa está na impossibilidade de haver outra versão familiar possível. Venhamos e convenhamos: excluir o merecimento existencial de uma experiência familiar homoafetiva é nazificar a religião, é um “vetar judeus”. “Aceitamos o homossexual, o que nós não aceitamos é a homossexualidade (???)”. O vereador Jean Wyllys disse coisa parecida em entrevista para Marília Gabriela, ironizando o discurso hipócrita de uns fiéis.
Jean venceu o Big Brother Brasil. Marcelo Dourado, idem. O primeiro trouxe a pauta “dignidade LGBT” à televisão. O segundo propôs uma desconstrução do politicamente correto. A tevê tem natureza retalhada e instantânea. Produto televisivo, a telenovela é uma obra aberta e permite-se experimentar tal como mudar o plano no meio do percurso. A Rede Globo fez um desbaste onde detectou excessos na militância gay em Insensato Coração. Com a novela, muitos assuntos entraram na ordem do dia. Lato e stricto sensu, conheço casos de pais liberais até o passo em que souberam da homossexualidade dos filhos e sei das etapas para aceitar a si e ser aceito pelos pais. Trazer o gay ao convívio dos eleitos é o mais importante. Gravar a cena do beijo (já mostrada em Amor e Revolução) é a consequência que tem a ver menos com dramaturgia que com transformações sociais e políticas.
Nesta estação de proporções continentais chamada América, enquanto a contradança do Congresso brasileiro fez naufragar o PL 122 e o kit anti-homofobia não vingou, os Estados Unidos embarcaram em outra direção. O presidente Obama entende que é inconstitucional tratar homossexuais de forma diferenciada. Foi revogada de uma vez por todas, na sexta-feira (22), a lei “Don’t ask, don’t tell”, e militares gays poderão sair do armário. Na Califórnia, a SB48 garantirá reconhecimento da luta e conquista homossexual nos livros didáticos. O governador Jerry Brown defende que a História deve ser honesta.
A bomba que os americanos estão desarmando é a mesma que explode por aqui, cada vez na mão de mais vítimas. Não são só gays os prejudicados. Homofobia se espraia e dias atrás soubemos de pai e filho que, abraçados em público, foram espancados. As aparências enganaram um grupo de batedores que entenderam a cena como demonstração homoafetiva de um casal. O pai teve a orelha decepada pelos dentes de um carnívoro que tem a vontade literal de comer gays.
Se não houver esforço conjunto para reprimir a homofobia, por triste que pareça, orelha será apenas prato de entrada.

domingo, 17 de julho de 2011

Apetite

         Em bandeja métrica e de madeira – o palco –, para centenas de comensais, a cidade inventada de Thiago Pethit, Berlim, Texas, foi servida ontem (16) em Goiânia, Goiás.
         Prato quente, se Pethit deu dissabor a Gloria Kalil, foi pela letra h, um transbordo para o sentido de pequeno a que o sobrenome artístico possa ter se sujeitado no francês.
         (Porque ele é e tem uma fração maior que pequeno).
         Em nome da proporção assinada por cada um, Lea T traz trans em caixa-alta. A modelo deu luz meridiana ao lado penumbroso da vida que leva. “Remédio, terapias, operações e preconceito”, enumerou.
         Minha amiga Mel, anos antes referida Michel, tirou “ich” do nome, “ixe!” da boca de terceiros e assinou Mel.
         Implica que Mel não é Michel e Lea T não é Thiago Pethit. Essas iguarias estão contidas em cardápio não mais sonegado.
         No programa Roda Viva, em maio, Ney Matogrosso identificou que entre as personalidades LGBTs da Rede Globo não acontece uma diáspora do armário. Neste caso, vira metalinguagem a resistência de Sueli (Louise Cardoso) em aceitar o relacionamento do filho Eduardo (Rodrigo Andrade) com Hugo (Marcos Damigo), na novela das nove. O objetivo dramático do percalço é orientar a trama para a virada, onde a mãe admite a orientação do filho – e com isso ensina aos espectadores didaticamente.
         Está longe de ser um projeto das emissoras de televisão. Depois do beijo entre Giselle Tigre e Luciana Vendramini, na novela “Amor e Revolução”, o SBT recuou da decisão de transmitir o primeiro beijo entre homens na telenovela brasileira devido à insatisfação do “público em geral”. O “Domingo Espetacular”, da Record, gastou minutos e profissionais gabaritados para exibir uma ridícula reportagem sobre o kit anti-homofobia, ideologicamente tratado como kit gay.
         Deplorável é o descaminho do empresário da Igreja Universal do Reino de Deus, Edir Macedo, ao expor um garoto de nove anos que, ante a “possessão” da mãe, é vergonhosamente induzido a vender todos os brinquedos que tem para doar o dinheiro à Igreja sob a promessa de ver os pais felizes e curados do demônio. No vídeo, por trás desse plano diabólico, em segundo plano, labaredas artificiais (tanto quanto o teor da promessa) adornam a “Fogueira Santa de Israel”, que cobra sacrifício dos fiéis e interpreta que sacrifício sejam doações volumosas para a Igreja, que se capitaliza sem pagar impostos, que esguicha o dinheiro não tributado da Universal em horários da madrugada na Record a preços fora de mercado, que infunde o projeto doutrinário no meio forte de comunicação que é a emissora, que rejeita tolerância e igualdade de pesos e direitos para homossexuais e que esconde a origem infernal da combustão desse fogo.
         Ontem, no show, prestei culto à interpretação e voz do autor e prefeito de Berlim, Texas. Variante, não fixada, grave e delicada. Sou cidadão daquela cidade inventada. Meus votos são de que nem todo h sobrado mereça gay como explicação. Por outro lado, que um T de trans também haja. Que descubram Mel em Michel.
         Eu, por exemplo, tenho fome de Pethit.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Amanhã é 23

Amanhã alcanço a idade mais próxima da chegada dos espirituosos vinte e quatro anos: os vinte e três. Aniversariar é ser felicitado pelo fechamento do ciclo etário, ano em ano. Passando o seis de julho, minha luta é por completar vinte e quatro. Nesta véspera, o vespeiro foi espojado por Ghulam Nabi Azad, ministro da Saúde indiano. Em conferência sobre a aids, ele declarou a homossexualidade como doença, como anormalidade.
Doenças são impositivas; negativas. Não deixam alguns afetados comemorarem o ano seguinte. Pior que tê-la é ganhá-la. Talvez meu esgotamento seja a áspera luta por cada dia sobrevivido. Custou força braçal descortinar o que eu escondia em mim de mim. Destampar homossexualidade com uma mão e tapá-la com a outra; esconde-esconde doentio.
Ser gay é Eisenstein, efeito cinematográfico de luz e sombra, drama. Por isso desde os nove subir no palco e interpretar meu modelo shakespeariano. Por isso ter ido para a faculdade estudar cinema. Por isso mudar para São Paulo atrás de uma pós-graduação em roteiro. Por isso declinar do sonho. Por isso a racionalidade pós-desencantamento. Por isso da mudança de roteiro.
Meu ano XXIII está em fase terminal, e eu, lutando em oposição ao luto, corro o hoje por quase vinte horas, desde as quatro da manhã, atrás do dia seguinte, querendo faturar o que ainda não veio. Uma ânsia perfeccionista dos prejudicados, dos, com pênis, castrados.
Rotula-se que gays sejam inteligentes (pra não serem, fora veados, burros), sensíveis (porque sofrem a subtração do substantivo “homens” ainda que o sejam, não importa se héteros ou homossexuais) e educados (por saberem da pele à alma o que é o desrespeito de um ministro da Saúde e seus anteriores que notificam a “doença da orientação”).
Ainda fui contemplado com o canhotismo – o uso, à contramão da maioria, da mão esquerda. Sei o que é diversidade e me aperfeiçoei todo esse tempo em aceitar o outro, em me dobrar às intenções da puta de Plínio Marcos, Neusa Sueli (em cena, já a vivi).
A chegada do amanhã para um gay neste planeta terceiro-mundista contaminado de preconceito é uma vitória. A homofobia é a aids para gays. Mata e suicida. Pisoteia e deprecia. Emagrece e desvitaliza.
Não tenho aids, e ainda que não, um ministro me conclama soropositivo. Não é atrás da aids que corremos. Buscar consciência do próprio valor é saudável.
Quero de presente que o preconceito dê seu último suspiro e não resista.

terça-feira, 28 de junho de 2011

A pegadinha da multiplicação dos pães

Coloque dez homens em uma ilha deserta e garanta o isolamento deles com o mundo. Bata, bata, bata, deixe descansar por uma geração e esses ingredientes não farão a receita crescer, não havendo nenhuma morte estarão os mesmos dez.
Com essa pegadinha minha irmã e quem mais achar bom para uso justificam artificialmente o prejuízo da homossexualidade.
Esses dez homens podem ser gays e se algum tiver útero é porque não era homem.
Esvazie a ilha e ponha cinco casais heterossexuais, sendo os homens padres e as mulheres freiras. Em tese, só sairia bebê via Espírito Santo, porque se sair filho de um casal é porque não exercia corretamente o sacerdócio.
Se forem dez inférteis, não importa a combinação de sexo que façam, se encerrarão sem frutos.
Essas pegadinhas atendem os dois lados, mentem, desmentem e tornam a mentir. O que minha irmã e quem mais quiser entender precisam saber é que um homossexual não invalida a capacidade procriadora da boceta dela.
O que os hipotéticos precisam deixar de prever é que cessaria a reprodução se todos fôssemos gays. Somos corporativistas e eu próprio doaria sêmen/pediria útero a uma lésbica caso quisesse constituir família.
Outra alternativa – e esta no campo do cotidiano – é escolher um desses bebês que nascem nas lixeiras. Eles não têm paternidade esclarecida e pode ser todo mundo responsável pelos rebentos, exceto em tese padre e freira; em atestação homem ou mulher infértil; e em pegadinha homossexuais.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Em nome de quem?


         O gay Kenneth Cummings morreu encomendado para o inferno, com uma facada na cabeça, porque seu assassino tinha a missão de eliminar a perversidade sexual da face da Terra. Terry Magnumn acredita "do fundo do meu coração que fiz a coisa certa”.
         Certa para quem?
         O natural é que a resposta seja: certa para ele, que praticou convictamente o ato. O matador, apesar disso, atribui a Deus a crivação.
         O fato: Deus nunca veio ao mundo divulgar lista dos nomes de quem, em verdade, fala em Seu nome.
         A versão: Tem sempre alguém, alvo de automerecimento ou admiração por outrem, que repassa a notícia mediada de ser o escolhido, o apóstolo, o instrumento de Deus.
         Agir em nome de Deus é um elemento retórico, antidemocrático, que invalida qualquer contestação. Quem questiona está entre a cruz e a espada, porque quem é fulano para contestar desígnios de Deus? Fulano é o inimigo. Quem é contra – lero-lero –, é do demônio.


         Isso não é de Deus

         A lógica do oito ou oitenta não explica a vida, mas não se assuste se, cruzando uma esquina brasileira, surpreender alguém sentenciando o que é do bem e o que é do mal, de Deus ou do diabo. Não ser de um leva obrigatoriamente a ser do outro.
         A parte julgadora sempre está tutelada por Deus e quem discorda dela não tem autoridade para tratar do assunto ou simplesmente é satânica.
         Enquanto no Brasil vira moda fazer uso do Estado laico para desaguar entendimentos de grupos religiosos, na Inglaterra, a Igreja Anglicana autoriza a ordenação de bispos homossexuais. Nos Estados Unidos, a Presbiteriana foi a quarta a permitir sacerdotes gays. Iniciativas de primeiro mundo – não regra. Para o pastor americano Albert Mohler, da Igreja Batista, os evangélicos têm “praticado algo que somente pode ser descrito como uma forma de homofobia”.
         Foi em nome de Deus que Jeronymo Pedro Villas Boas (que anulou a primeira união estável gay do País) esfaqueou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), à qual, na qualidade de juiz que é, deveria ter sido respeitador. Ultrapassa o interesse do veredicto que ele seja pastor. Ele não compreendeu e, por essa razão, poderia abandonar a profissão e ir com Deus.
         Ninguém dialoga em pés de igualdade com as pessoas que têm procuração (por instrumento divino) para falar em nome do Senhor. E sobre essas pessoas não pesam características humanas: elas não têm ódio reprimido, elas não são hipócritas, homofobia nunca as viu, racismo passou longe, nunca mentiram, nunca falsearam atendendo a interesses privados etc. Essas pessoas são tão impecáveis que basta um olho sensível para chegar à conclusão de que o Deus em nome de quem elas agem é ninguém mais que elas próprias.

domingo, 19 de junho de 2011

Mundo para todo mundo

         As Forças Armadas do Brasil se preparam para o toque de recolher definitivo de novas normas velhas. “Novas” porque o Estado dividiu águas desde o Cinco de Maio, data histórica de quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu unanimemente por reconhecer – não mais ignorar – a união estável entre casais do mesmo sexo. Os Estados Unidos já preparam seus soldados para derrogar o “Don’t Ask, Don’t Tell” (DADT). Promulgado em 1993 por Bill Clinton, permite a presença homossexual nas Forças Armadas americanas desde que não manifesta publicamente.
Lá, cerca de 90 leis e regulamentos serão adaptados à nova situação, inclusiva, e os soldados não oferecem resistência ao treinamento de passagem. Aqui, um dia depois do parecer da Corte, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, apressou-se em dizer que os direitos de militares gays com união estável seriam garantidos.
Uma portaria do Ministério da Saúde divulgada na semana passada elimina da triagem para doação de sangue a pergunta sobre orientação sexual. Continua, porém, a preocupação relativa à maior incidência de contaminação por HIV em homens que fazem sexo com homens (MSM) e homens e mulheres que têm muitos parceiros. Ao largo da discriminação, pretende-se dar evidência ao fato de que o sexo praticado de forma insegura compromete a saúde do doador. Ponto. O cuidado não recai sobre mulheres que têm parceiras, e a concepção de MSM é em outra instância que não a da orientação sexual.
Não é só o passado que ficou anterior ao Cinco de Maio, mas uma fatia generosa de congressistas atracada em um retrocesso continental. Eles são umbilicais e torcem por si mesmos, por seus mandatos, por seus patrimônios. Preservam os próprios interesses, não questões coletivas como as do meio ambiente – haja vista a escolha pelo modelo vencido de Código Florestal.
Ultrarreacionarista, o pastor evangélico Magno Malta falou em renunciar ao mandato de senador caso seja aprovado o PL 122, que criminaliza a homofobia no País. Na Casa ao lado, os deputados João Campos (pastor evangélico) e Eros Biondini (músico católico) apresentaram projeto que impede líderes religiosos de contrariar suas convicções e doutrinas. A cautela é para que os líderes não sejam eventualmente compelidos pela lei a realizar matrimônio entre casais homossexuais.
Um álibi que a Frente Parlamentar Evangélica lançou mão para negar respaldo legal a vítimas de homofobia é que todos são iguais perante a lei e não pode haver proteção exclusiva a gays. Detonando contradição, agora pretendem imunizar lideranças religiosas dos efeitos da lei.
Mais me impressiona é que a homofobia causa estragos mortais, enquanto o pano de fundo dessa imunidade pretendida a líderes religiosos é a defesa do direito desses de discriminar.
Impressiona-me também – mas graus a menos – que a imunidade fiscal por que se beneficiam indevidamente algumas igrejas  em operações financeiras como débito em conta para doações de dízimo, lançamento de cartão de crédito, denúncias de superfaturamento de preços na compra de horário na mídia, concorrência desleal entre canais de TV financiados por Igreja para fins comerciais, não inquiete deputados e senadores das bancadas religiosas.
Parece que tem um Brasil cego à laicidade do Estado e conivente com os desmandos dessa modalidade temida de políticos: os que ignoram declaradamente a lei dos homens.
Cristãos à parte, ninguém serve a dois deuses. O Estado e a Igreja são poderes colaterais, não se cortam, pois tem cada qual seu manual. A Constituição Federal não é bibliolátrica.
A Igreja é eclesiástica e o Estado é laico, que significa não pertencente a nenhuma ordem religiosa, que significa hostil ao controle intelectual e moral da Igreja sobre instituições públicas. E parlamentares religiosos, em profissão truculenta de má-fé, espezinham nossa Carta Maior a fim de que ela se dobre à autoridade do pastor. A título de curiosidade, Magno Malta o é. Ele se recusa a permanecer parlamentar se sua crença evangélica (a quem o Estado laico nada deve) for contrariada.
         Um Congresso que dá ao parlamentar latifundiário o direito de desmatar, ao parlamentar pastor o direito de discriminar, não representa o povo, porque governa em causa própria.
         Na semana em que, com o voto do Brasil, o Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou pela primeira vez resolução que condena a homofobia, afirmando que todos nascemos “livres e iguais”, em votação majoritária que pede revisão de leis discriminatórias e de práticas violentas contra pessoas devido a orientação sexual ou identidade de gênero, focos de retrocesso incendeiam pontos isolados do mapa do País.
         No Acre, a Assembleia Legislativa pratica censura contra o filme “Eu Não Quero Voltar Sozinho” em razão da temática de relações homoafetivas. Em Goiás, o juiz Jeronymo Pedro Villas Boas (sem o Judiciário sequer ter sido provocado) anulou a primeira união gay do estado. Em Brasília, nomes da política ressoam sem grandes feitos, apenas por declarações e atos fascistas, em nome da discriminação contra a “subversiva” prática de amor consensual entre seres humanos, mais deletéria que a trapaça de santos dos paus ocos, rígidos e violentadores.
         O avanço do tempo na mudança de década no jovem século há de dar seu jeito, mas da maneira incidental é possível detectar a revolução prosaica do movimento. As pessoas associam-se no desejo íntimo de felicidade, de não ter culpa de gostar. O casal lésbico Lanna Holder e Rosania Rocha fundou em São Paulo a igreja evangélica Comunidade Cidade do Refúgio, prontificada a acolher “todos os machucados e feridos, todos os que foram escorraçados pela intolerância”. Só no primeiro dia de funcionamento, a novidade teve público de trezentas pessoas.
         Iguais, queremos às centenas de milhões um mundo no tamanho que comporte todo mundo, inclusive modelos familiares flexíveis, alternativos à verdade da qual Malta, Campos e outros lamentáveis tantos dizem ser portadores. Embora eu nem saiba se devo chamar isso de "verdade" ou "doença crônico-degenerativa".


         Nada além da obrigação

         Nem pertencendo à Frente Parlamentar Evangélica ou por ser heterossexual o deputado federal Sérgio Britto (PSC-BA) mostra-se empenhado a poupar o iníquo Jair Bolsonaro, processado na semana passada por acusações de quebra de decoro. Antes de tudo, porque Britto, em cumprimento à legalidade, disse que o posicionamento religioso de sua bancada não o influenciará no parecer. E depois, porque só mesmo uma ingenuidade bolsonariana para acreditar em rivalidade extensiva entre héteros e homossexuais.
“Vizinho gay desvaloriza imóvel”, disse Jair à Playboy, confirmando que a grande zebra do Congresso, ao contrário do que se esperava, não é Tiririca. O dito “palhaço” já apresentou projetos ligados à Educação, em esforço para reconstituir a trincada em sua imagem, produzida pela campanha de apelo humorístico no período eleitoral.
Bolsonaro tem mais é que criar motivos para que falem mal dele. Do contrário, de bem, não houve o que dizer nesses tantos anos de carreira política. E continua sem ter.

domingo, 12 de junho de 2011

Dia das Namoradas Mortas

Quero aproveitar o 12 de junho para pôr em relevo um fato e uma entrevista do deputado, delegado e pastor João Campos. Este, disse ser contra qualquer manifestação de violência e preconceito. Não apenas isso, como também disse que a “prática de homossexualismo” (como prefere usar), “de fato, não é normal”. Segundo ele, isso é segundo Ele, ele e a sociedade – não parte dela, mas “a sociedade”, o que significa que o deputado desconsidera a minha existência e quer calar no falso consenso opiniões como a minha.
Mais que isso, a empreitada que está por vir é cobrar explicações das 260 mortes de homossexuais relatadas pelo Grupo Gay da Bahia. “Estão dizendo que, em todos os casos de assassinato de homossexuais, a motivação foi a homofobia. Será que é verdade? Qual o perfil dos autores desses assassinatos? São os companheiros ou terceiros? Será que tem alguma motivação relacionada com droga, álcool, prostituição? Será homofobia ou o gay está sendo vítima de violência da mesma forma que o heterossexual?”.
         Os “todos os casos” de que fala está no cálculo da estatística, colocado em questão apenas para o lado da balança que lhe pende. Por que não questionar se, no ano passado, houve casos de assassinato por homofobia que a pesquisa não conseguiu perscrutar?


         Fato consumado

         Disse também que gostaria de destacar um fato. Dedicamos o 12 de junho a casais enamorados. O deputado João Campos, a respeito dos 60 mil casais homoafetivos aferidos pelo IBGE em compartilhamento de domicílio, disse que estes 120 mil brasileiros são “inapropriadamente chamados de casais”. A ele, o nome dessa manifestação de amor é dupla ou par.
         Não sou pastor, delegado, nem deputado federal e não sei se, imbuído desses títulos, teria autoridade de julgamento para inferiorizar casais gays em relação a casais héteros. Talvez bastasse o fato de ser gay para medir a intensidade de um relacionamento com outra pessoa do mesmo sexo. Talvez nem precisasse ser gay ou hétero, e só humano, para ter ideia do que signifique uma união de pares.
João Campos reclama a autoridade de falar em nome da vida afetiva e intransferível de todos os seres humanos. Todos eles algemam-se em seu padrão porque disso depende a validade doutrinária do que ele prega. A soberania íntima da pessoa para relacionar-se com quem bem entender põe em embaraço o discurso de Procusto do deputado: aquele que talha a vítima para encurtá-la ao tamanho de sua mesa ou estica-a para o mesmo fim, atendendo à sanha mutiladora de forçar toda diversidade de forma a penetrar o mesmo buraco de agulha.
         Campos não sabe se 260 assassinatos no ano passado foram cometidos por homofobia e acredita que quando dois gays (por ele interpretado como dois não normais) unem-se como casal, não devem ser chamados de casal.
         Eu, Luís Gustavo, gay, não pastor, não delegado, não deputado, não acredito ser possível que um pastor, delegado e deputado – todas funções potentes de prezar e assegurar o bem comum – possa insuflar de tanta intolerância e desrespeito os pensamentos que professa em nome de seus interesses (absolutamente incongruentes a interesses de Deus ou da coletividade).
         A homossexualidade não “contraria toda a ordem natural das coisas”. Ser gay não prejudica a vida humana. Por outro lado, ofendê-la, sim.
         Para mim é inexequível garantir a causa das 260 mortes alegadas por homofobia, em 2010. Mas tenho conhecimento de, neste ano, um crime: a morte de Adriele Camacho, aos 16 anos, por namorar outra garota, de 15, de quem a família, por ser contra, como João Campos é, tramou a morte a facadas. Ela não comemora o 12 de junho com a namorada, consumando o impedimento simbólico (do discurso de João Campos) e literal (por parte dos familiares que assassinaram a adolescente) de serem um casal.
         A violência simbólica de João Campos está ligada a um sangue real. E, um ou 260, casal ou par, normal ou não, o assassinato de um homossexual por intolerância é imperdoável, ainda que defendido em nome de Deus – como se isso fosse suficiente para Ele assinar embaixo.

sábado, 4 de junho de 2011

O Post das Citações

A abertura e fechamento das aspas ulteriores salvaguardam tanto o direito autoral de veículos e pessoas que se pronunciaram sobre temas caros a mim quanto asseguram-me a liberdade ética de seletar o que vi e, sob alguma fôrma, ofertar o que achei por bem dividir de outros com outros.
A quem segue o passeio, boa viagem.


“Uma das deficiências maiores em nossa cultura e no mundo inteiro é o cuidado. (...) O ser humano precisa ser cuidado e sentimos em nós a necessidade de cuidar.
“O enfoque (da votação do novo Código Florestal pelo Congresso) é totalmente equivocado. O enfoque está sendo econômico quando deveria ser ecológico, o da floresta em pé. Seria um benefício para todo o sistema Terra. Mantendo a floresta em pé, pelas mil formas de extrativismo e o racional aproveitamento da madeira, o que poderíamos produzir seria muito mais que todo o gado e toda a soja. A Amazônia equilibra todos os climas da Terra e lá está a maior biodiversidade e a maior reserva de água. Nosso Parlamento agiu de forma totalmente irresponsável nessa questão. Em momento algum houve essa dimensão ecológica, mas apenas a dimensão econômica. Quanto poderiam ganhar e quanto poderiam perder. E viram a Terra apenas como um baú de recursos que nós podemos usar. Hoje, toda a ciência diz que a Terra é um organismo vivo que se autorregula e nós somos filhos desse organismo. Esse discurso, nem os mais progressistas suscitaram no Parlamento.
“A tragédia não acaba porque, por trás, há grandes corporações nacionais e internacionais interessadas no agronegócio de exportação. O gado dá dólar, vida humana não dá dólar. Por isso, todas as pessoas que a Comissão Pastoral da Terra indica que estão ameaçadas de morte, já que elas denunciam quem desmata, são eliminadas porque prejudicam o negócio. O Estado brasileiro fica impotente, dadas as dimensões da Amazônia. Ele não consegue nem controlar o desmatamento. Já foram desmatados 700 mil km². Isso corresponde a São Paulo e Minas Gerais juntos, equivale a metade da Europa. Quase metade dos deputados e senadores está ligada ao agronegócio, à soja, ao gado e não tem nenhum interesse em preservar essa herança que recebemos. Não temos os meios de fiscalizar essa extensão imensa de florestas para enfrentar esses verdadeiros assassinos da vida. Há o risco de que, com o aumento da consciência mundial e da importância das florestas, a Amazônia seja declarada de interesse vital mundial e o Brasil não tenha mais a soberania completa sobre ela. Isso está muito presente em grupos internacionais de que participo, com ativistas e políticos, que dizem que a região amazônica é vital para o planeta e que os sete países que nela estão não têm políticas de cuidá-la, sem tecnologia e fundos suficientes para isso. Eles querem, então, gerenciá-la para o bem da humanidade. Perderemos, assim, mais da metade de nosso País.
“Eu acho que devemos distinguir a Igreja hierárquica, do papa, dos bispos e dos padres, da Igreja comunidade, onde há grandes intelectuais. A Igreja institucional e hierárquica ainda não acertou as contas com a modernidade. É um pedaço do mundo medieval que subsiste em meio ao mundo moderno, que mantém ideias fundamentalmente contra a vida, porque ela proíbe a utilização dos contraceptivos, da camisinha, o que na África é uma tragédia. Eu creio que duas coisas são importantes. Primeiro, os bispos e a CNBB precisam aprender a viver numa democracia, que significa não ter o monopólio da palavra e da moralidade. A Igreja é uma força entre outras na sociedade e precisa respeitar outras opiniões. Que ela tenha a sua opinião e a diga, é seu direito, mas ela não pode coagir e manipular os fiéis e sua consciência em favor de seus interesses. Segundo, a Igreja tem de escutar a realidade e não repetir dogmas. Ela tem de escutar o povo. A Igreja institucional é monossexual, só é feita de homens. Os bispos e padres não têm mulheres e filhos. É uma visão reduzida que os tornam insensíveis e, às vezes, cruéis em face dos dramas humanos da sexualidade, dos homossexuais e todas essas expressões que devemos reconhecer como fato, respeitá-las e criar um quadro de legalidade para que vivam em sociedade sem serem discriminados e perseguidos. Essa missão civilizatória deveria ser a da Igreja, mas ela reforça o outro lado, como o preconceito e a perseguição, que é contra a mentalidade de Jesus, que era aberto a todos e que disse uma frase extraordinária: ‘Se alguém vem a mim, eu não mandarei embora.’ Poderia ser um herege, uma prostituta, um homoafetivo. E digo mais: se entre os homossexuais há amor, há algo misterioso e que tem a ver com Deus, porque Deus é amor. Esse discurso civilizatório deveria ser o da Igreja, para aproximar as pessoas e não afastá-las e torná-las agressivas quanto ao próximo.
“No mundo inteiro há um retrocesso das igrejas, não só da Igreja Católica. Elas voltam à grande tradição doutrinária do mundo, rompem o diálogo com a modernidade, rompem o diálogo com outras igrejas, que era pacificador. À força desse afastamento do mundo, a Igreja está perdendo os pobres, os intelectuais e se transformando em um bastião de machismo, de reacionarismo, de medievalismo. É lamentável. Está havendo uma emigração das melhores inteligências leigas da Igreja e um esvaziamento enorme dos cristãos.”
(Leonardo Boff, em entrevista para Rogério Borges – O Popular)


“É no mínimo surpreendente constatar as pressões sobre o Senado para evitar a lei que criminaliza a homofobia. Sofrem de amnésia os que insistem em segregar, discriminar, satanizar e condenar os casais homoafetivos.
“No tempo de Jesus, os segregados eram os pagãos, os doentes, os que exerciam determinadas atividades profissionais, como açougueiros e fiscais de renda. Com todos esses Jesus teve uma atitude inclusiva. Mais tarde, vitimizaram indígenas, negros, hereges e judeus. Hoje, homossexuais, muçulmanos e migrantes pobres (incluídas as ‘pessoas diferenciadas’...).
Relações entre pessoas do mesmo sexo ainda são ilegais em mais de 80 nações. Em alguns países islâmicos elas são punidas com castigos físicos ou pena de morte (Arábia Saudita, Irã, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Nigéria etc).
“No 60º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 2008, 27 países-membros da União Europeia assinaram resolução à ONU pela ‘despenalização universal da homossexualidade’.
“A Igreja Católica deu um pequeno passo adiante ao incluir no seu catecismo a exigência de se evitar qualquer discriminação a homossexuais. No entanto, silenciam as autoridades eclesiásticas quando se trata de se pronunciar contra a homofobia. E, no entanto, se escutou sua discordância à decisão do STF ao aprovar o direito de união civil dos homoafetivos.
“Ninguém escolhe ser homo ou heterossexual. A pessoa nasce assim. E, à luz do Evangelho, a Igreja não tem o direito de encarar ninguém como homo ou hetero, e sim como filho de Deus, chamado à comunhão com Ele e com o próximo, destinatário da graça divina.
“São alarmantes os índices de agressões e assassinatos de homossexuais no Brasil. A urgência de uma lei contra a homofobia não se justifica apenas pela violência física sofrida por travestis, transexuais, lésbicas etc. Mais grave é a violência simbólica, que instaura procedimento social e fomenta a cultura da satanização.
“A Igreja Católica já não condena homossexuais, mas impede que eles manifestem o seu amor por pessoas do mesmo sexo. Ora, todo amor não decorre de Deus? Não diz a Carta de João (I,7) que ‘quem ama conhece a Deus’ (observe que João não diz que quem conhece a Deus ama...).
“Por que fingir ignorar que o amor exige união e querer que essa união permaneça à margem da lei? No matrimônio são os noivos os verdadeiros ministros. E não o padre, como muitos imaginam. Pode a teologia negar a essencial sacramentalidade da união de duas pessoas que se amam, ainda que do mesmo sexo?
“Ora, direis, ouvir a Bíblia! Sim, no contexto patriarcal em que foi escrita seria estranho aprovar o homossexualismo. Mas muitas passagens o subtendem, como o amor entre Davi por Jônatas (I Samuel 18), o centurião romano interessado na cura de seu servo (Lucas 7) e os ‘eunucos de nascença’ (Mateus 19). E a tomar a Bíblia literalmente, teríamos que passar ao fio da espada todos que professam crenças diferentes da nossa e odiar pai e mãe para verdadeiramente seguir a Jesus.
“Há que passar da hermenêutica singularizadora para a hermenêutica pluralizadora. Ontem, a Igreja Católica acusava os judeus de assassinos de Jesus; condenava ao limbo crianças mortas sem batismo; considerava legítima a escravidão; e censurava o empréstimo a juros. Por que excluir casais homoafetivos de direitos civis e religiosos?
“Pecado é aceitar os mecanismos de exclusão e selecionar seres humanos por fatores biológicos, raciais, étnicos ou sexuais. Todos são filhos amados por Deus. Todos têm como vocação essencial amar e ser amados. A lei é feita para a pessoa, insiste Jesus, e não a pessoa para a lei.”
(Frei Betto – O Globo)


“Sozinha, a escola não será capaz de combater o preconceito contra gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e travestis. Mas o ambiente escolar é o local mais promissor para por fim à homofobia. Essa é conclusão de um estudo realizado pela Fundação Perseu Abramo, em parceria com a Fundação Rosa Luxemburgo Stiftung (RLS), em 150 municípios brasileiros em todas as regiões do País. Por isso, Gustavo Venturi, coordenador do estudo, defende que o debate sobre esse tipo de discriminação faça parte das aulas, inclusive na infância.
“De acordo com os dados da pesquisa (...), enquanto metade dos brasileiros que nunca frequentou a escola assume comportamentos homofóbicos, apenas um em cada dez brasileiros que cursaram o ensino superior apresentam o mesmo comportamento. O estudo realizado entre 2008 e 2009 com 2.014 pessoas também avaliou as diferenças de preconceito entre as regiões, idade da população, renda, religião. Nenhuma das variáveis apresentou diferença tão drástica de comportamento, segundo Venturi.
“(...) Segundo a pesquisa da Fundação Perseu Abramo, a variável que mais determina o nível de preconceito das pessoas é a escolaridade. Há uma grande diferença de preconceito entre quem nunca foi à escola e quem concluiu o ensino superior (em %).
“‘Isso mostra como a escola faz diferença no combate à homofobia. Só a escolaridade maior não resolve o preconceito, mas influencia fortemente a formação dessas pessoas’, afirma. Para o pesquisador, além de ser um espaço para convivência com as diferenças, a escola pode promover o debate de forma educadora e transformar a percepção de preconceitos arraigados à população. O estudo revelou que o brasileiro ainda não é tolerante com as preferências sexuais de familiares, de colegas de trabalho ou de vizinhos: um quarto dos entrevistados admitiu ter preconceito e agir de forma homofóbica.
‘Para o pesquisador, que queria entender a cara da homofobia no País quando começou o estudo, as diferenças de preconceito de acordo com a idade e o sexo também são importantes. As mulheres são mais tolerantes que os homens em todas as idades. Mas o índice de homofobia entre os meninos adolescentes chamou a atenção de Venturi. Entre os rapazes com idade entre 16 e 17 anos, 47% dos entrevistados admitiram preconceito contra gays, lésbicas, travestis. ‘Esse é mais um sinal da importância da escola. Esse é um momento que o jovem é muito pressionado a fazer definições de identidade’, diz.
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O estudo mostra que o comportamento homofóbico variou pouco entre as regiões (...). Entre as religiões, 10% dos kardecistas declararam preconceito (o mais baixo) contra 31% dos evangélicos entrevistados (o mais alto).
“Gustavo lembra que a pesquisa também entrevistou 413 homossexuais ou bissexuais (com mais de 18 anos e também em todas as regiões brasileiras), e a escola foi apontada por eles como um dos locais onde mais sofreram discriminação. Um terço dos entrevistados já foi discriminado por familiares e 27% sofreram preconceito de colegas da escola. E, para 13% deles, a primeira discriminação ocorrida por causa de orientação sexual ocorreu na escola.
“‘Mudar a legislação é importante porque você diminui os espaços nos quais você pode declarar seus preconceitos. E, para serem reproduzidos, eles precisam ser ditos. A falta de legislação contra a homofobia gera tolerâncias com esse tipo de comportamento. Mas discutir o tema é muito importante também’, afirma Venturi.
“O material, chamado de Escola sem Homofobia, foi produzido por organizações não-governamentais contratadas pelo MEC durante dois anos. O plano era distribuir o kit – composto manual, vídeos e outros materiais de apoio ao professor – a seis mil escolas ainda este ano. (...) O deputado carioca Anthony Garotinho (PR-RJ) admitiu que, para convencer o governo a suspender a produção do material, a bancada evangélica da Câmara ameaçou não colaborar com os projetos do Executivo.
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“Para Débora Diniz, professora da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora da Anis: Instituto de Bioética Direitos Humanos e Gênero, não há forma mais eficaz de promover a igualdade de direitos do que introduzir na escola a sensibilização para o tema de forma pedagógica.
“‘Há uma pressão indevida e desnecessária de grupos religiosos para isso. Não havia nada que ameaçasse a religião ou a integridade de crenças no material’, garante. Débora lembra ainda que as crianças e os adolescentes são mais abertos à discussão sobre promoção de cidadania e discriminação e, por isso, a escola tem de assumir o papel de conversar sobre o tema. Angela Soligo, professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), teme mais atrasos na discussão sobre preconceito dentro da escola.
“‘É responsabilidade da área educacional discutir esse tema. Há muitas coisas que podem melhorar no material, mas ele não é de má qualidade. O Manual das Coisas Importantes, que faz parte do kit, por exemplo, é muito bonito e bem feito’, afirma. Angela espera que a presidenta volte atrás em sua decisão. ‘O material é necessário para os professores qualificarem a discussão e terem apoio, mas a falta dele não pode justificar a omissão de trabalhar o tema na escola’, ressalta.
“Maria Helena Franco, coordenadora de criação dos vídeos que fazem parte do kit Educação sem Homofobia, produzidos pela Ecos – Comunicação em Sexualidade, lamenta a decisão da presidenta. Ela afirma que há muitas pessoas criticando o material sem conhecer seu conteúdo. ‘O foco desse material é levar para as escolas de ensino médio e para educadores e educadoras uma ajuda para erradicar a homofobia. É um apoio que faz falta para eles’, diz.”
(Priscilla Borges – iG Brasília)


“Uma semana depois de pressionar o governo e conseguir suspender a distribuição de um kit nas escolas contra homofobia, o ex-governador Anthony Garotinho (PR-RJ) voltou a ameaçar o Palácio do Planalto com a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o crescimento do patrimônio do ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci.
“Desta vez, Garotinho quer que a Câmara vote a chamada ‘PEC 300’, que cria um piso salarial para policiais civis e militares. ‘O momento político é esse. Temos uma pedra preciosa, um diamante que custa R$ 20 milhões, que se chama Antonio Palocci’, afirmou Garotinho, durante a instalação da Frente Parlamentar de Defesa da PEC 300.
“‘A bancada evangélica pressionou e o governo retirou o kit gay. Vamos ver agora quem é da bancada da polícia. Ou vota, ou o Palocci vem aqui’, sentenciou.”
(Agência Estado)


“O deputado Anthony Garotinho confere folclore ao chantagear o governo sabendo perfeitamente que o Planalto não pode mais resolver a questão no varejo e ao ironizar chamando as suspeitas que pesam sobre Palocci de ‘diamante de R$ 20 milhões’. Sem maiores preocupações com detalhes como compostura e nome a zelar, diverte-se.”
(Dora Kramer – O Estado de S. Paulo)


“O salário mal cai na conta e o brasileiro logo sente o peso de possuir a terceira maior carga tributária do mundo. Mas como se não bastasse os descontos do Imposto de Renda e do INSS, um pastor resolveu inovar e criou o 'dízimo no débito automático'. Ou seja: todo mês, 10% do salário do fiel é automaticamente debitado em sua conta-corrente.
“A inovação foi adotada pelo líder da Igreja Internacional da Graça, o missionário R.R. Soares, que ainda faz aos contribuintes a promessa de um secreto 'brinde de Jesus', caso o sistema seja adotado. De acordo com a divulgação feita em seu programa na TV Bandeirantes, a inovação veio para deixar as doações mensais mais práticas. O serviço está disponível para clientes dos bancos Itaú, Banco do Brasil e Bradesco.
“Apesar de causar espanto, o missionário prometeu 'misericórdia' com os inadimplentes, aliviando a barra caso o contribuinte não tenha saldo suficiente para quitar a 'dívida' de 10% da renda mensal. R.R. Soares ainda garantiu que ‘o fiel não será incluído no SPC ou no Serasa’ se o pagamento não for feito. Nesse caso, o dízimo voltará a ser debitado no mês seguinte, sem acumular calotes antigos.
“Atualmente, o brasileiro trabalha 149 dias por ano para pagar seus impostos, de acordo com pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). Para os evangélicos, os dias de trabalho que lhe são descontados somam 185 dias.
“Levando em consideração os seus 17,3 milhões de fiéis e a renda per capita do brasileiro de US$ 10,814, segundo o IBGE, estima-se que as três maiores igrejas protestantes do Brasil somem uma arrecadação de US$ 187 bilhões, o que representa, por exemplo, um valor seis vezes maior que o PIB do Uruguai, que é de US$ 31,51 bilhões.”
(Guilherme Ribeiro – portal MTV Brasil)