terça-feira, 28 de junho de 2011

A pegadinha da multiplicação dos pães

Coloque dez homens em uma ilha deserta e garanta o isolamento deles com o mundo. Bata, bata, bata, deixe descansar por uma geração e esses ingredientes não farão a receita crescer, não havendo nenhuma morte estarão os mesmos dez.
Com essa pegadinha minha irmã e quem mais achar bom para uso justificam artificialmente o prejuízo da homossexualidade.
Esses dez homens podem ser gays e se algum tiver útero é porque não era homem.
Esvazie a ilha e ponha cinco casais heterossexuais, sendo os homens padres e as mulheres freiras. Em tese, só sairia bebê via Espírito Santo, porque se sair filho de um casal é porque não exercia corretamente o sacerdócio.
Se forem dez inférteis, não importa a combinação de sexo que façam, se encerrarão sem frutos.
Essas pegadinhas atendem os dois lados, mentem, desmentem e tornam a mentir. O que minha irmã e quem mais quiser entender precisam saber é que um homossexual não invalida a capacidade procriadora da boceta dela.
O que os hipotéticos precisam deixar de prever é que cessaria a reprodução se todos fôssemos gays. Somos corporativistas e eu próprio doaria sêmen/pediria útero a uma lésbica caso quisesse constituir família.
Outra alternativa – e esta no campo do cotidiano – é escolher um desses bebês que nascem nas lixeiras. Eles não têm paternidade esclarecida e pode ser todo mundo responsável pelos rebentos, exceto em tese padre e freira; em atestação homem ou mulher infértil; e em pegadinha homossexuais.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Em nome de quem?


         O gay Kenneth Cummings morreu encomendado para o inferno, com uma facada na cabeça, porque seu assassino tinha a missão de eliminar a perversidade sexual da face da Terra. Terry Magnumn acredita "do fundo do meu coração que fiz a coisa certa”.
         Certa para quem?
         O natural é que a resposta seja: certa para ele, que praticou convictamente o ato. O matador, apesar disso, atribui a Deus a crivação.
         O fato: Deus nunca veio ao mundo divulgar lista dos nomes de quem, em verdade, fala em Seu nome.
         A versão: Tem sempre alguém, alvo de automerecimento ou admiração por outrem, que repassa a notícia mediada de ser o escolhido, o apóstolo, o instrumento de Deus.
         Agir em nome de Deus é um elemento retórico, antidemocrático, que invalida qualquer contestação. Quem questiona está entre a cruz e a espada, porque quem é fulano para contestar desígnios de Deus? Fulano é o inimigo. Quem é contra – lero-lero –, é do demônio.


         Isso não é de Deus

         A lógica do oito ou oitenta não explica a vida, mas não se assuste se, cruzando uma esquina brasileira, surpreender alguém sentenciando o que é do bem e o que é do mal, de Deus ou do diabo. Não ser de um leva obrigatoriamente a ser do outro.
         A parte julgadora sempre está tutelada por Deus e quem discorda dela não tem autoridade para tratar do assunto ou simplesmente é satânica.
         Enquanto no Brasil vira moda fazer uso do Estado laico para desaguar entendimentos de grupos religiosos, na Inglaterra, a Igreja Anglicana autoriza a ordenação de bispos homossexuais. Nos Estados Unidos, a Presbiteriana foi a quarta a permitir sacerdotes gays. Iniciativas de primeiro mundo – não regra. Para o pastor americano Albert Mohler, da Igreja Batista, os evangélicos têm “praticado algo que somente pode ser descrito como uma forma de homofobia”.
         Foi em nome de Deus que Jeronymo Pedro Villas Boas (que anulou a primeira união estável gay do País) esfaqueou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), à qual, na qualidade de juiz que é, deveria ter sido respeitador. Ultrapassa o interesse do veredicto que ele seja pastor. Ele não compreendeu e, por essa razão, poderia abandonar a profissão e ir com Deus.
         Ninguém dialoga em pés de igualdade com as pessoas que têm procuração (por instrumento divino) para falar em nome do Senhor. E sobre essas pessoas não pesam características humanas: elas não têm ódio reprimido, elas não são hipócritas, homofobia nunca as viu, racismo passou longe, nunca mentiram, nunca falsearam atendendo a interesses privados etc. Essas pessoas são tão impecáveis que basta um olho sensível para chegar à conclusão de que o Deus em nome de quem elas agem é ninguém mais que elas próprias.

domingo, 19 de junho de 2011

Mundo para todo mundo

         As Forças Armadas do Brasil se preparam para o toque de recolher definitivo de novas normas velhas. “Novas” porque o Estado dividiu águas desde o Cinco de Maio, data histórica de quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu unanimemente por reconhecer – não mais ignorar – a união estável entre casais do mesmo sexo. Os Estados Unidos já preparam seus soldados para derrogar o “Don’t Ask, Don’t Tell” (DADT). Promulgado em 1993 por Bill Clinton, permite a presença homossexual nas Forças Armadas americanas desde que não manifesta publicamente.
Lá, cerca de 90 leis e regulamentos serão adaptados à nova situação, inclusiva, e os soldados não oferecem resistência ao treinamento de passagem. Aqui, um dia depois do parecer da Corte, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, apressou-se em dizer que os direitos de militares gays com união estável seriam garantidos.
Uma portaria do Ministério da Saúde divulgada na semana passada elimina da triagem para doação de sangue a pergunta sobre orientação sexual. Continua, porém, a preocupação relativa à maior incidência de contaminação por HIV em homens que fazem sexo com homens (MSM) e homens e mulheres que têm muitos parceiros. Ao largo da discriminação, pretende-se dar evidência ao fato de que o sexo praticado de forma insegura compromete a saúde do doador. Ponto. O cuidado não recai sobre mulheres que têm parceiras, e a concepção de MSM é em outra instância que não a da orientação sexual.
Não é só o passado que ficou anterior ao Cinco de Maio, mas uma fatia generosa de congressistas atracada em um retrocesso continental. Eles são umbilicais e torcem por si mesmos, por seus mandatos, por seus patrimônios. Preservam os próprios interesses, não questões coletivas como as do meio ambiente – haja vista a escolha pelo modelo vencido de Código Florestal.
Ultrarreacionarista, o pastor evangélico Magno Malta falou em renunciar ao mandato de senador caso seja aprovado o PL 122, que criminaliza a homofobia no País. Na Casa ao lado, os deputados João Campos (pastor evangélico) e Eros Biondini (músico católico) apresentaram projeto que impede líderes religiosos de contrariar suas convicções e doutrinas. A cautela é para que os líderes não sejam eventualmente compelidos pela lei a realizar matrimônio entre casais homossexuais.
Um álibi que a Frente Parlamentar Evangélica lançou mão para negar respaldo legal a vítimas de homofobia é que todos são iguais perante a lei e não pode haver proteção exclusiva a gays. Detonando contradição, agora pretendem imunizar lideranças religiosas dos efeitos da lei.
Mais me impressiona é que a homofobia causa estragos mortais, enquanto o pano de fundo dessa imunidade pretendida a líderes religiosos é a defesa do direito desses de discriminar.
Impressiona-me também – mas graus a menos – que a imunidade fiscal por que se beneficiam indevidamente algumas igrejas  em operações financeiras como débito em conta para doações de dízimo, lançamento de cartão de crédito, denúncias de superfaturamento de preços na compra de horário na mídia, concorrência desleal entre canais de TV financiados por Igreja para fins comerciais, não inquiete deputados e senadores das bancadas religiosas.
Parece que tem um Brasil cego à laicidade do Estado e conivente com os desmandos dessa modalidade temida de políticos: os que ignoram declaradamente a lei dos homens.
Cristãos à parte, ninguém serve a dois deuses. O Estado e a Igreja são poderes colaterais, não se cortam, pois tem cada qual seu manual. A Constituição Federal não é bibliolátrica.
A Igreja é eclesiástica e o Estado é laico, que significa não pertencente a nenhuma ordem religiosa, que significa hostil ao controle intelectual e moral da Igreja sobre instituições públicas. E parlamentares religiosos, em profissão truculenta de má-fé, espezinham nossa Carta Maior a fim de que ela se dobre à autoridade do pastor. A título de curiosidade, Magno Malta o é. Ele se recusa a permanecer parlamentar se sua crença evangélica (a quem o Estado laico nada deve) for contrariada.
         Um Congresso que dá ao parlamentar latifundiário o direito de desmatar, ao parlamentar pastor o direito de discriminar, não representa o povo, porque governa em causa própria.
         Na semana em que, com o voto do Brasil, o Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou pela primeira vez resolução que condena a homofobia, afirmando que todos nascemos “livres e iguais”, em votação majoritária que pede revisão de leis discriminatórias e de práticas violentas contra pessoas devido a orientação sexual ou identidade de gênero, focos de retrocesso incendeiam pontos isolados do mapa do País.
         No Acre, a Assembleia Legislativa pratica censura contra o filme “Eu Não Quero Voltar Sozinho” em razão da temática de relações homoafetivas. Em Goiás, o juiz Jeronymo Pedro Villas Boas (sem o Judiciário sequer ter sido provocado) anulou a primeira união gay do estado. Em Brasília, nomes da política ressoam sem grandes feitos, apenas por declarações e atos fascistas, em nome da discriminação contra a “subversiva” prática de amor consensual entre seres humanos, mais deletéria que a trapaça de santos dos paus ocos, rígidos e violentadores.
         O avanço do tempo na mudança de década no jovem século há de dar seu jeito, mas da maneira incidental é possível detectar a revolução prosaica do movimento. As pessoas associam-se no desejo íntimo de felicidade, de não ter culpa de gostar. O casal lésbico Lanna Holder e Rosania Rocha fundou em São Paulo a igreja evangélica Comunidade Cidade do Refúgio, prontificada a acolher “todos os machucados e feridos, todos os que foram escorraçados pela intolerância”. Só no primeiro dia de funcionamento, a novidade teve público de trezentas pessoas.
         Iguais, queremos às centenas de milhões um mundo no tamanho que comporte todo mundo, inclusive modelos familiares flexíveis, alternativos à verdade da qual Malta, Campos e outros lamentáveis tantos dizem ser portadores. Embora eu nem saiba se devo chamar isso de "verdade" ou "doença crônico-degenerativa".


         Nada além da obrigação

         Nem pertencendo à Frente Parlamentar Evangélica ou por ser heterossexual o deputado federal Sérgio Britto (PSC-BA) mostra-se empenhado a poupar o iníquo Jair Bolsonaro, processado na semana passada por acusações de quebra de decoro. Antes de tudo, porque Britto, em cumprimento à legalidade, disse que o posicionamento religioso de sua bancada não o influenciará no parecer. E depois, porque só mesmo uma ingenuidade bolsonariana para acreditar em rivalidade extensiva entre héteros e homossexuais.
“Vizinho gay desvaloriza imóvel”, disse Jair à Playboy, confirmando que a grande zebra do Congresso, ao contrário do que se esperava, não é Tiririca. O dito “palhaço” já apresentou projetos ligados à Educação, em esforço para reconstituir a trincada em sua imagem, produzida pela campanha de apelo humorístico no período eleitoral.
Bolsonaro tem mais é que criar motivos para que falem mal dele. Do contrário, de bem, não houve o que dizer nesses tantos anos de carreira política. E continua sem ter.

domingo, 12 de junho de 2011

Dia das Namoradas Mortas

Quero aproveitar o 12 de junho para pôr em relevo um fato e uma entrevista do deputado, delegado e pastor João Campos. Este, disse ser contra qualquer manifestação de violência e preconceito. Não apenas isso, como também disse que a “prática de homossexualismo” (como prefere usar), “de fato, não é normal”. Segundo ele, isso é segundo Ele, ele e a sociedade – não parte dela, mas “a sociedade”, o que significa que o deputado desconsidera a minha existência e quer calar no falso consenso opiniões como a minha.
Mais que isso, a empreitada que está por vir é cobrar explicações das 260 mortes de homossexuais relatadas pelo Grupo Gay da Bahia. “Estão dizendo que, em todos os casos de assassinato de homossexuais, a motivação foi a homofobia. Será que é verdade? Qual o perfil dos autores desses assassinatos? São os companheiros ou terceiros? Será que tem alguma motivação relacionada com droga, álcool, prostituição? Será homofobia ou o gay está sendo vítima de violência da mesma forma que o heterossexual?”.
         Os “todos os casos” de que fala está no cálculo da estatística, colocado em questão apenas para o lado da balança que lhe pende. Por que não questionar se, no ano passado, houve casos de assassinato por homofobia que a pesquisa não conseguiu perscrutar?


         Fato consumado

         Disse também que gostaria de destacar um fato. Dedicamos o 12 de junho a casais enamorados. O deputado João Campos, a respeito dos 60 mil casais homoafetivos aferidos pelo IBGE em compartilhamento de domicílio, disse que estes 120 mil brasileiros são “inapropriadamente chamados de casais”. A ele, o nome dessa manifestação de amor é dupla ou par.
         Não sou pastor, delegado, nem deputado federal e não sei se, imbuído desses títulos, teria autoridade de julgamento para inferiorizar casais gays em relação a casais héteros. Talvez bastasse o fato de ser gay para medir a intensidade de um relacionamento com outra pessoa do mesmo sexo. Talvez nem precisasse ser gay ou hétero, e só humano, para ter ideia do que signifique uma união de pares.
João Campos reclama a autoridade de falar em nome da vida afetiva e intransferível de todos os seres humanos. Todos eles algemam-se em seu padrão porque disso depende a validade doutrinária do que ele prega. A soberania íntima da pessoa para relacionar-se com quem bem entender põe em embaraço o discurso de Procusto do deputado: aquele que talha a vítima para encurtá-la ao tamanho de sua mesa ou estica-a para o mesmo fim, atendendo à sanha mutiladora de forçar toda diversidade de forma a penetrar o mesmo buraco de agulha.
         Campos não sabe se 260 assassinatos no ano passado foram cometidos por homofobia e acredita que quando dois gays (por ele interpretado como dois não normais) unem-se como casal, não devem ser chamados de casal.
         Eu, Luís Gustavo, gay, não pastor, não delegado, não deputado, não acredito ser possível que um pastor, delegado e deputado – todas funções potentes de prezar e assegurar o bem comum – possa insuflar de tanta intolerância e desrespeito os pensamentos que professa em nome de seus interesses (absolutamente incongruentes a interesses de Deus ou da coletividade).
         A homossexualidade não “contraria toda a ordem natural das coisas”. Ser gay não prejudica a vida humana. Por outro lado, ofendê-la, sim.
         Para mim é inexequível garantir a causa das 260 mortes alegadas por homofobia, em 2010. Mas tenho conhecimento de, neste ano, um crime: a morte de Adriele Camacho, aos 16 anos, por namorar outra garota, de 15, de quem a família, por ser contra, como João Campos é, tramou a morte a facadas. Ela não comemora o 12 de junho com a namorada, consumando o impedimento simbólico (do discurso de João Campos) e literal (por parte dos familiares que assassinaram a adolescente) de serem um casal.
         A violência simbólica de João Campos está ligada a um sangue real. E, um ou 260, casal ou par, normal ou não, o assassinato de um homossexual por intolerância é imperdoável, ainda que defendido em nome de Deus – como se isso fosse suficiente para Ele assinar embaixo.

sábado, 4 de junho de 2011

O Post das Citações

A abertura e fechamento das aspas ulteriores salvaguardam tanto o direito autoral de veículos e pessoas que se pronunciaram sobre temas caros a mim quanto asseguram-me a liberdade ética de seletar o que vi e, sob alguma fôrma, ofertar o que achei por bem dividir de outros com outros.
A quem segue o passeio, boa viagem.


“Uma das deficiências maiores em nossa cultura e no mundo inteiro é o cuidado. (...) O ser humano precisa ser cuidado e sentimos em nós a necessidade de cuidar.
“O enfoque (da votação do novo Código Florestal pelo Congresso) é totalmente equivocado. O enfoque está sendo econômico quando deveria ser ecológico, o da floresta em pé. Seria um benefício para todo o sistema Terra. Mantendo a floresta em pé, pelas mil formas de extrativismo e o racional aproveitamento da madeira, o que poderíamos produzir seria muito mais que todo o gado e toda a soja. A Amazônia equilibra todos os climas da Terra e lá está a maior biodiversidade e a maior reserva de água. Nosso Parlamento agiu de forma totalmente irresponsável nessa questão. Em momento algum houve essa dimensão ecológica, mas apenas a dimensão econômica. Quanto poderiam ganhar e quanto poderiam perder. E viram a Terra apenas como um baú de recursos que nós podemos usar. Hoje, toda a ciência diz que a Terra é um organismo vivo que se autorregula e nós somos filhos desse organismo. Esse discurso, nem os mais progressistas suscitaram no Parlamento.
“A tragédia não acaba porque, por trás, há grandes corporações nacionais e internacionais interessadas no agronegócio de exportação. O gado dá dólar, vida humana não dá dólar. Por isso, todas as pessoas que a Comissão Pastoral da Terra indica que estão ameaçadas de morte, já que elas denunciam quem desmata, são eliminadas porque prejudicam o negócio. O Estado brasileiro fica impotente, dadas as dimensões da Amazônia. Ele não consegue nem controlar o desmatamento. Já foram desmatados 700 mil km². Isso corresponde a São Paulo e Minas Gerais juntos, equivale a metade da Europa. Quase metade dos deputados e senadores está ligada ao agronegócio, à soja, ao gado e não tem nenhum interesse em preservar essa herança que recebemos. Não temos os meios de fiscalizar essa extensão imensa de florestas para enfrentar esses verdadeiros assassinos da vida. Há o risco de que, com o aumento da consciência mundial e da importância das florestas, a Amazônia seja declarada de interesse vital mundial e o Brasil não tenha mais a soberania completa sobre ela. Isso está muito presente em grupos internacionais de que participo, com ativistas e políticos, que dizem que a região amazônica é vital para o planeta e que os sete países que nela estão não têm políticas de cuidá-la, sem tecnologia e fundos suficientes para isso. Eles querem, então, gerenciá-la para o bem da humanidade. Perderemos, assim, mais da metade de nosso País.
“Eu acho que devemos distinguir a Igreja hierárquica, do papa, dos bispos e dos padres, da Igreja comunidade, onde há grandes intelectuais. A Igreja institucional e hierárquica ainda não acertou as contas com a modernidade. É um pedaço do mundo medieval que subsiste em meio ao mundo moderno, que mantém ideias fundamentalmente contra a vida, porque ela proíbe a utilização dos contraceptivos, da camisinha, o que na África é uma tragédia. Eu creio que duas coisas são importantes. Primeiro, os bispos e a CNBB precisam aprender a viver numa democracia, que significa não ter o monopólio da palavra e da moralidade. A Igreja é uma força entre outras na sociedade e precisa respeitar outras opiniões. Que ela tenha a sua opinião e a diga, é seu direito, mas ela não pode coagir e manipular os fiéis e sua consciência em favor de seus interesses. Segundo, a Igreja tem de escutar a realidade e não repetir dogmas. Ela tem de escutar o povo. A Igreja institucional é monossexual, só é feita de homens. Os bispos e padres não têm mulheres e filhos. É uma visão reduzida que os tornam insensíveis e, às vezes, cruéis em face dos dramas humanos da sexualidade, dos homossexuais e todas essas expressões que devemos reconhecer como fato, respeitá-las e criar um quadro de legalidade para que vivam em sociedade sem serem discriminados e perseguidos. Essa missão civilizatória deveria ser a da Igreja, mas ela reforça o outro lado, como o preconceito e a perseguição, que é contra a mentalidade de Jesus, que era aberto a todos e que disse uma frase extraordinária: ‘Se alguém vem a mim, eu não mandarei embora.’ Poderia ser um herege, uma prostituta, um homoafetivo. E digo mais: se entre os homossexuais há amor, há algo misterioso e que tem a ver com Deus, porque Deus é amor. Esse discurso civilizatório deveria ser o da Igreja, para aproximar as pessoas e não afastá-las e torná-las agressivas quanto ao próximo.
“No mundo inteiro há um retrocesso das igrejas, não só da Igreja Católica. Elas voltam à grande tradição doutrinária do mundo, rompem o diálogo com a modernidade, rompem o diálogo com outras igrejas, que era pacificador. À força desse afastamento do mundo, a Igreja está perdendo os pobres, os intelectuais e se transformando em um bastião de machismo, de reacionarismo, de medievalismo. É lamentável. Está havendo uma emigração das melhores inteligências leigas da Igreja e um esvaziamento enorme dos cristãos.”
(Leonardo Boff, em entrevista para Rogério Borges – O Popular)


“É no mínimo surpreendente constatar as pressões sobre o Senado para evitar a lei que criminaliza a homofobia. Sofrem de amnésia os que insistem em segregar, discriminar, satanizar e condenar os casais homoafetivos.
“No tempo de Jesus, os segregados eram os pagãos, os doentes, os que exerciam determinadas atividades profissionais, como açougueiros e fiscais de renda. Com todos esses Jesus teve uma atitude inclusiva. Mais tarde, vitimizaram indígenas, negros, hereges e judeus. Hoje, homossexuais, muçulmanos e migrantes pobres (incluídas as ‘pessoas diferenciadas’...).
Relações entre pessoas do mesmo sexo ainda são ilegais em mais de 80 nações. Em alguns países islâmicos elas são punidas com castigos físicos ou pena de morte (Arábia Saudita, Irã, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Nigéria etc).
“No 60º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 2008, 27 países-membros da União Europeia assinaram resolução à ONU pela ‘despenalização universal da homossexualidade’.
“A Igreja Católica deu um pequeno passo adiante ao incluir no seu catecismo a exigência de se evitar qualquer discriminação a homossexuais. No entanto, silenciam as autoridades eclesiásticas quando se trata de se pronunciar contra a homofobia. E, no entanto, se escutou sua discordância à decisão do STF ao aprovar o direito de união civil dos homoafetivos.
“Ninguém escolhe ser homo ou heterossexual. A pessoa nasce assim. E, à luz do Evangelho, a Igreja não tem o direito de encarar ninguém como homo ou hetero, e sim como filho de Deus, chamado à comunhão com Ele e com o próximo, destinatário da graça divina.
“São alarmantes os índices de agressões e assassinatos de homossexuais no Brasil. A urgência de uma lei contra a homofobia não se justifica apenas pela violência física sofrida por travestis, transexuais, lésbicas etc. Mais grave é a violência simbólica, que instaura procedimento social e fomenta a cultura da satanização.
“A Igreja Católica já não condena homossexuais, mas impede que eles manifestem o seu amor por pessoas do mesmo sexo. Ora, todo amor não decorre de Deus? Não diz a Carta de João (I,7) que ‘quem ama conhece a Deus’ (observe que João não diz que quem conhece a Deus ama...).
“Por que fingir ignorar que o amor exige união e querer que essa união permaneça à margem da lei? No matrimônio são os noivos os verdadeiros ministros. E não o padre, como muitos imaginam. Pode a teologia negar a essencial sacramentalidade da união de duas pessoas que se amam, ainda que do mesmo sexo?
“Ora, direis, ouvir a Bíblia! Sim, no contexto patriarcal em que foi escrita seria estranho aprovar o homossexualismo. Mas muitas passagens o subtendem, como o amor entre Davi por Jônatas (I Samuel 18), o centurião romano interessado na cura de seu servo (Lucas 7) e os ‘eunucos de nascença’ (Mateus 19). E a tomar a Bíblia literalmente, teríamos que passar ao fio da espada todos que professam crenças diferentes da nossa e odiar pai e mãe para verdadeiramente seguir a Jesus.
“Há que passar da hermenêutica singularizadora para a hermenêutica pluralizadora. Ontem, a Igreja Católica acusava os judeus de assassinos de Jesus; condenava ao limbo crianças mortas sem batismo; considerava legítima a escravidão; e censurava o empréstimo a juros. Por que excluir casais homoafetivos de direitos civis e religiosos?
“Pecado é aceitar os mecanismos de exclusão e selecionar seres humanos por fatores biológicos, raciais, étnicos ou sexuais. Todos são filhos amados por Deus. Todos têm como vocação essencial amar e ser amados. A lei é feita para a pessoa, insiste Jesus, e não a pessoa para a lei.”
(Frei Betto – O Globo)


“Sozinha, a escola não será capaz de combater o preconceito contra gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e travestis. Mas o ambiente escolar é o local mais promissor para por fim à homofobia. Essa é conclusão de um estudo realizado pela Fundação Perseu Abramo, em parceria com a Fundação Rosa Luxemburgo Stiftung (RLS), em 150 municípios brasileiros em todas as regiões do País. Por isso, Gustavo Venturi, coordenador do estudo, defende que o debate sobre esse tipo de discriminação faça parte das aulas, inclusive na infância.
“De acordo com os dados da pesquisa (...), enquanto metade dos brasileiros que nunca frequentou a escola assume comportamentos homofóbicos, apenas um em cada dez brasileiros que cursaram o ensino superior apresentam o mesmo comportamento. O estudo realizado entre 2008 e 2009 com 2.014 pessoas também avaliou as diferenças de preconceito entre as regiões, idade da população, renda, religião. Nenhuma das variáveis apresentou diferença tão drástica de comportamento, segundo Venturi.
“(...) Segundo a pesquisa da Fundação Perseu Abramo, a variável que mais determina o nível de preconceito das pessoas é a escolaridade. Há uma grande diferença de preconceito entre quem nunca foi à escola e quem concluiu o ensino superior (em %).
“‘Isso mostra como a escola faz diferença no combate à homofobia. Só a escolaridade maior não resolve o preconceito, mas influencia fortemente a formação dessas pessoas’, afirma. Para o pesquisador, além de ser um espaço para convivência com as diferenças, a escola pode promover o debate de forma educadora e transformar a percepção de preconceitos arraigados à população. O estudo revelou que o brasileiro ainda não é tolerante com as preferências sexuais de familiares, de colegas de trabalho ou de vizinhos: um quarto dos entrevistados admitiu ter preconceito e agir de forma homofóbica.
‘Para o pesquisador, que queria entender a cara da homofobia no País quando começou o estudo, as diferenças de preconceito de acordo com a idade e o sexo também são importantes. As mulheres são mais tolerantes que os homens em todas as idades. Mas o índice de homofobia entre os meninos adolescentes chamou a atenção de Venturi. Entre os rapazes com idade entre 16 e 17 anos, 47% dos entrevistados admitiram preconceito contra gays, lésbicas, travestis. ‘Esse é mais um sinal da importância da escola. Esse é um momento que o jovem é muito pressionado a fazer definições de identidade’, diz.
(...)
O estudo mostra que o comportamento homofóbico variou pouco entre as regiões (...). Entre as religiões, 10% dos kardecistas declararam preconceito (o mais baixo) contra 31% dos evangélicos entrevistados (o mais alto).
“Gustavo lembra que a pesquisa também entrevistou 413 homossexuais ou bissexuais (com mais de 18 anos e também em todas as regiões brasileiras), e a escola foi apontada por eles como um dos locais onde mais sofreram discriminação. Um terço dos entrevistados já foi discriminado por familiares e 27% sofreram preconceito de colegas da escola. E, para 13% deles, a primeira discriminação ocorrida por causa de orientação sexual ocorreu na escola.
“‘Mudar a legislação é importante porque você diminui os espaços nos quais você pode declarar seus preconceitos. E, para serem reproduzidos, eles precisam ser ditos. A falta de legislação contra a homofobia gera tolerâncias com esse tipo de comportamento. Mas discutir o tema é muito importante também’, afirma Venturi.
“O material, chamado de Escola sem Homofobia, foi produzido por organizações não-governamentais contratadas pelo MEC durante dois anos. O plano era distribuir o kit – composto manual, vídeos e outros materiais de apoio ao professor – a seis mil escolas ainda este ano. (...) O deputado carioca Anthony Garotinho (PR-RJ) admitiu que, para convencer o governo a suspender a produção do material, a bancada evangélica da Câmara ameaçou não colaborar com os projetos do Executivo.
(...)
“Para Débora Diniz, professora da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora da Anis: Instituto de Bioética Direitos Humanos e Gênero, não há forma mais eficaz de promover a igualdade de direitos do que introduzir na escola a sensibilização para o tema de forma pedagógica.
“‘Há uma pressão indevida e desnecessária de grupos religiosos para isso. Não havia nada que ameaçasse a religião ou a integridade de crenças no material’, garante. Débora lembra ainda que as crianças e os adolescentes são mais abertos à discussão sobre promoção de cidadania e discriminação e, por isso, a escola tem de assumir o papel de conversar sobre o tema. Angela Soligo, professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), teme mais atrasos na discussão sobre preconceito dentro da escola.
“‘É responsabilidade da área educacional discutir esse tema. Há muitas coisas que podem melhorar no material, mas ele não é de má qualidade. O Manual das Coisas Importantes, que faz parte do kit, por exemplo, é muito bonito e bem feito’, afirma. Angela espera que a presidenta volte atrás em sua decisão. ‘O material é necessário para os professores qualificarem a discussão e terem apoio, mas a falta dele não pode justificar a omissão de trabalhar o tema na escola’, ressalta.
“Maria Helena Franco, coordenadora de criação dos vídeos que fazem parte do kit Educação sem Homofobia, produzidos pela Ecos – Comunicação em Sexualidade, lamenta a decisão da presidenta. Ela afirma que há muitas pessoas criticando o material sem conhecer seu conteúdo. ‘O foco desse material é levar para as escolas de ensino médio e para educadores e educadoras uma ajuda para erradicar a homofobia. É um apoio que faz falta para eles’, diz.”
(Priscilla Borges – iG Brasília)


“Uma semana depois de pressionar o governo e conseguir suspender a distribuição de um kit nas escolas contra homofobia, o ex-governador Anthony Garotinho (PR-RJ) voltou a ameaçar o Palácio do Planalto com a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o crescimento do patrimônio do ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci.
“Desta vez, Garotinho quer que a Câmara vote a chamada ‘PEC 300’, que cria um piso salarial para policiais civis e militares. ‘O momento político é esse. Temos uma pedra preciosa, um diamante que custa R$ 20 milhões, que se chama Antonio Palocci’, afirmou Garotinho, durante a instalação da Frente Parlamentar de Defesa da PEC 300.
“‘A bancada evangélica pressionou e o governo retirou o kit gay. Vamos ver agora quem é da bancada da polícia. Ou vota, ou o Palocci vem aqui’, sentenciou.”
(Agência Estado)


“O deputado Anthony Garotinho confere folclore ao chantagear o governo sabendo perfeitamente que o Planalto não pode mais resolver a questão no varejo e ao ironizar chamando as suspeitas que pesam sobre Palocci de ‘diamante de R$ 20 milhões’. Sem maiores preocupações com detalhes como compostura e nome a zelar, diverte-se.”
(Dora Kramer – O Estado de S. Paulo)


“O salário mal cai na conta e o brasileiro logo sente o peso de possuir a terceira maior carga tributária do mundo. Mas como se não bastasse os descontos do Imposto de Renda e do INSS, um pastor resolveu inovar e criou o 'dízimo no débito automático'. Ou seja: todo mês, 10% do salário do fiel é automaticamente debitado em sua conta-corrente.
“A inovação foi adotada pelo líder da Igreja Internacional da Graça, o missionário R.R. Soares, que ainda faz aos contribuintes a promessa de um secreto 'brinde de Jesus', caso o sistema seja adotado. De acordo com a divulgação feita em seu programa na TV Bandeirantes, a inovação veio para deixar as doações mensais mais práticas. O serviço está disponível para clientes dos bancos Itaú, Banco do Brasil e Bradesco.
“Apesar de causar espanto, o missionário prometeu 'misericórdia' com os inadimplentes, aliviando a barra caso o contribuinte não tenha saldo suficiente para quitar a 'dívida' de 10% da renda mensal. R.R. Soares ainda garantiu que ‘o fiel não será incluído no SPC ou no Serasa’ se o pagamento não for feito. Nesse caso, o dízimo voltará a ser debitado no mês seguinte, sem acumular calotes antigos.
“Atualmente, o brasileiro trabalha 149 dias por ano para pagar seus impostos, de acordo com pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). Para os evangélicos, os dias de trabalho que lhe são descontados somam 185 dias.
“Levando em consideração os seus 17,3 milhões de fiéis e a renda per capita do brasileiro de US$ 10,814, segundo o IBGE, estima-se que as três maiores igrejas protestantes do Brasil somem uma arrecadação de US$ 187 bilhões, o que representa, por exemplo, um valor seis vezes maior que o PIB do Uruguai, que é de US$ 31,51 bilhões.”
(Guilherme Ribeiro – portal MTV Brasil)