domingo, 7 de agosto de 2011

A não ética protestante e o espírito de porco do capitalismo

         Parte do protestantismo foi sequestrada por interesses de mercado e de poder. A cegueira da fé também se fez ver na transferência de dinheiro e de voto dos fiéis para seus profetas. Os fatos explicam que eles são falsos na forma como se apresentam. O crente que cumpre com o papel de oferecedor acata e silencia muito mais que questiona e cobra. A transparência poderia superar a falta de claridade nas medidas ambíguas de lideranças religiosas.
         Quem leu O Bispo – A História Revelada de Edir Macedo (2007) precisa pensar em “de onde vem?” para compreender para onde a leitura pretende te levar. “Minha preocupação foi falar de um líder religioso, que é meu patrão, sem agredi-lo. E, ao mesmo tempo, sem deixar de perguntar o que todo mundo quer saber. Foi nesse fio da navalha que nós caminhamos. No capítulo ‘Dia na Igreja’, eu pergunto sobre a exploração de miseráveis”, descreveu o autor Douglas Tavolaro, vice-presidente de Jornalismo da Rede Record.
         A começar pela iniciativa do livro, que é do próprio biografado, a saia justa seria não perguntar sobre “exploração de miseráveis”, já que é a persuadir que o livro veio. Onze dias da passagem de Edir Macedo pela prisão, em cela especial de uma delegacia paulistana, são narrados como um épico de 11 anos. As perguntas embaraçosas vêm a calhar quando o que se quer é ganhar a dianteira e surpreender no jogo de cena. Década e meia desde a prisão, natural que o autoproclamado bispo tenha maturado o “como explicar?”. O combinado saiu caro porque a pergunta ensaiada “tira do repórter sua principal arma que é a segunda pergunta”. Recebi esse ensinamento profissional (veja a coluna) de minha jornalista favorita, Miriam Leitão, que converge para si a característica de protestante e a qualidade de ética.
         A obra de Odêmio Antonio Ferrari (Bispo S/A – A Igreja Universal do Reino de Deus e o Exército do Poder), de 2007, dá conta dos fenômenos nada paranormais que levaram aos céus patrimônio e domínios da IURD. A “subversão da matriz evangélica” dotou de perfil empresarial – com direito a segmentação da clientela – o projeto religioso esteado na trindade Exorcismo, Prosperidade e Cura. O bispo Macedo é evocado nos cultos da igreja como exemplo que “alcançou a meta de ser rico”.
         Alcunhar de comércio da fé é só um aspecto da tendência; assim como dizer que as consequências da sustentação pela base da cadeia – os fiéis – recaem sobre eles próprios, porque há contágio desses efeitos para mais camadas da sociedade. Numa linha rápida de causa e efeito, desautorizar homossexuais não coibe a violência contra os mesmos, ao contrário, arma o ringue para lutas contra livres. Não é do feitio da igreja literalmente bater, mas um argumento bem espelhado chega aos ouvidos de comedores de ouvidos de gays, como o que mastigou o de um pai que abraçava o filho e foram confundidos com um casal de homossexuais. Tornou a acontecer no Rio: outro confundido que apanhou sem merecer, afinal, não era gay. Quer dizer, esse dízimo que igrejas dão para a homofobia pode ser modesto, mas é miraculoso na multiplicação irrestrita dos focos de intolerância.
         O dia primeiro de agosto foi o primeiro dia dos 21 que decorrem do Jejum de Daniel, proposto pela Igreja Universal. A proposta é de desintoxicação audiovisual e, para tanto, nessas três semanas, não se pode ver nem ouvir mensagens mundanas. A cláusula implícita da faxina espiritual é não ver o canal do qual o próprio líder iurdiano é dono: a Record. Programas como “A Fazenda 4” são negação de princípios morais da Universal, mas mal necessário para leis da concorrência. Ato falho: Macedo pede que os fiéis não vejam a sujeira que também ele produz.
         Mais que jejum audiovisual, lavagem cerebral.
         A perspectiva da ação é promover o novo canal da igreja na internet, a IURD TV, inaugurada este ano. Antes da sequência de postagens diárias relativas ao Jejum de Daniel, o texto do dia 30 de julho traz como título o nome da emissora, embora dela diga pouco. Há uma frase imperativa (“Assista à programação da IURD TV”); outra (“Clique no link”) seguida de endereço para acesso; uma foto de Edir Macedo diante de um microfone em um estúdio de rádio; e um texto mais robusto, com novo título e tudo:

Toque do Espírito

Se neste momento, enquanto você lê estas palavras, sentir-se tocado por um enorme desejo de ajudar na construção do Templo de Salomão, esteja certo: o Espírito Santo é Quem opera essa vontade.

… porque Deus é Quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a Sua boa vontade.” Filipenses 2.13

Se você foi tocado, então envie seu donativo para:

Banco do Brasil
Igreja Universal do Reino de Deus
Agência 3221-2
Conta 1257-2

Banco Bradesco
Igreja Universal do Reino de Deus
Agência 3396-0
Conta 0240-2

OU

Você pode contribuir também pela internet. Acesse: doacao.arcauniversal.com

Um pedido:
Quando fizer seu depósito bancário, coloque o recibo do depósito em um envelope e entregue na IURD mais próxima de você.
Ou então, envie para o seguinte endereço:  Rua Missionários, 139- Jardim Caravelas – Santo Amaro – SP   CEP  04729 000
Esse recibo é importante para acusar o recebimento do seu donativo.
Seja abençoado em o Nome do Senhor Jesus Cristo.

         A concentração de conteúdos religiosos em um só canal desobriga a Record de ser emissora oficial da Universal. Ela é devedora disso e cai mal à reputação. A igreja não tem espaço privilegiado dentro da emissora do próprio bispo. O horário nobre fica para a disputa predatória com a Globo, os balanços gerais de quanto sangue é derramado no dia, bundas, peitos e toda a chulice da Fazenda que, imagino, não transmitem adequadamente a obra cristã.
         O espaço dado à Igreja Universal não vale as centenas de milhões que ela paga por horários ruins e pouco assistidos da Record. A vantagem de ser um dinheiro de origem não tributada, como são os lucros de igrejas, vale.
         O empresário Silvio Santos acha que a enxurrada de recursos dessas fontes que incha a receita de emissoras televisivas é concorrência desleal.
         Em âmbitos terrenos, sem a chantagem de apelar ao divino para tudo justificar, onde está a ética senão corroída pelas manobras de mais poder e de mais enriquecer?
         Há quase 11 anos a revista Veja publicava a matéria “Templo é dinheiro”, sobre o empresário, dissidente da Igreja Universal do Reino de Deus e líder da Igreja Internacional da Graça de Deus Romildo Ribeiro Soares, o R. R. Soares, à época campeão de aparições na televisão brasileira. Ele é casado com a irmã de Edir Macedo e gastava naqueles tempos 2,5 milhões de reais em contratos com a televisão. “Mas o investimento dá frutos. Apenas no último ano (o 2000), período em que apareceu no horário nobre da Gazeta, Soares aumentou o número de seus templos de 500 para 700. Estima-se que tenha hoje 500.000 seguidores ou "associados", como gosta de dizer, espalhados entre o Brasil, o Uruguai e Portugal”, calculou a reportagem.
         Onde escondeu-se a ética protestante quando os fundadores da Igreja Renascer em Cristo, Estevam e Sônia Hernandes, foram presos no aeroporto de Miami contrabandeando dólares até na capa da bíblia?
         Exemplos têm-se aos bocados, mas eles se comunicam com outros maus exemplos.
         Crescem casos de corrupção na política como cresce nela a representação evangélica. Mais e mais pastores políticos são Os Escolhidos para disputa de cargos eletivos. Pela facilidade de estarem acima de propostas e compromissos com o País. A transferência de votos pela sobreposição das figuras de líder religioso e candidato é uma realidade e um retrocesso. A fé cega nos políticos é uma brecha irresponsável. A verdade é que poucos querem se comprometer com o desgaste de vigiar seus representantes.
         Alheios à necessidade de se moralizar a própria política – lugar do qual falam , pessoas como o vereador evangélico Carlos Apolinário (DEM-SP), criador do Dia do Orgulho Hetero, comemoram o desvio de atenções do que importa (a corrupção que praticam com a coisa pública) para o que não importa (a vida afetiva que indivíduos praticam privativamente).
         Sobre o dia em louvor à homofobia (motivo manifesto de vergonha para heterossexuais), o deputado federal Jean Wyllys (PSOL) escreveu ao prefeito de São Paulo: “caro prefeito Gilberto Kassab, qual não seria o retrocesso brasileiro caso vossa excelência sancione a lei aprovada pela Câmara de São Paulo. O Dia do Orgulho LGBT (assim como o Dia da Consciência Negra ou o Dia da Mulher) corresponde a políticas públicas que visam construir a equidade por meio de um tratamento desigual para os desiguais e, ao mesmo tempo, contrapor os discursos que historicamente posicionam os homossexuais (assim como os negros ou as mulheres) como subalternos e descartáveis, destruindo sua autoestima.”
         Jean “tuitou” uma tese importante: “a direita fundamentalista tem investido pesado na perseguição aos LGBTs como cortina de fumaça. A direita fundamentalista sabe que os temas ‘morais’ chamam mais a atenção da população, desviando-a da fiscalização da corrupção. Se as pessoas repararem direito, verão que são muitos desses moralistas perseguidores de LGBTs que estão envolvidos em corrupção pesada. A maneira como LGBTs amam e celebram seu orgulho não destrói a família brasileira; o que destrói é a corrupção. A corrupção destrói a família na medida que drena o dinheiro da saúde, da educação, da segurança pública e da habitação.”
         Datena revelou que, dentre as coisas que o fizeram sair da Record, estava a impossibilidade de falar de agressões contra homossexuais. Para ele, cronista da violência, um prato cheio, transbordante, já que não cessam as ocorrências. Para ela (Record), uma cicatriz que merece maquiagem.
         Em nada a existência de homossexuais atenta contra a existência do protestantismo. O mundo é grande e nele cabemos todos. Mas no mundo fundamentalista só há espaço para quem adere às regras da seita.
         Nos campos de concentração, o triângulo rosa carimbava homossexuais na roupa. Os requintes de crueldade mudaram com o tempo e até hoje há quem ponha triângulo rosa nos gays. Não é para protegerem-se do demônio – um personagem inesgotavelmente solicitado nas transmissões televangelistas, incorporado nos seus fiéis. Parece uma constatação provocativa, mas, para efeitos espetaculares, o demônio está com eles. Tem que haver um patrono forte que ilustre o prejuízo de não doar tudo o que fulano tiver para a igreja, como simbolizou aquela criança de 9 anos retratada no vídeo orgulhosamente postado pelo bispo Edir Macedo em seu blog.
         Na mídia, a finalidade de espetáculo se faz sentir logo na fachada: tipo o nome “Show da Fé” para dar nome às pregações de R. R. Soares. Valdemiro Santiago, “apóstolo” da Igreja Mundial do Poder de Deus, opera milagres diante da tela. Uma tia, que há alguns anos sofre de esclerose múltipla, uma doença degenerativa e triste, desencantou com o poder de cura, não recebeu a graça como achou que fosse acontecer quando se deslocou rumo ao imenso culto realizado para milhares de pessoas em Goiânia, há algum tempo.
         Apesar disso, a fila anda, e a tevê continua a reverberar os casos de sucesso do benevolente Valdemiro. Na liturgia, a culpa pode ser de minha tia, mulher de pouca fé, mas acabo não conhecendo os de muita. Você conhece alguém do seu convívio que tenha recebido a graça diariamente televisionada? Ou alguém que tivera arrancado de si o diabo com a mãozinha santa de algum exorcista da Universal? Até que ponto dar vida digna aos gays lhe faz mal? Abrir os olhos para o que faz o pastor tem que indecorosidade? Malhar a orientação sexual de homossexuais tem que grau de positividade?
         Fazer a segunda pergunta ao pastor, procurar entender por que descobrir um santo para cobrir outro, questionar o cinismo das comemorações tripudiantes em relação às discriminadas minorias não é o caminho mais fácil da profissão de fé. Mas quem disse que seria fácil?
         Há uma parte protestante que precisa descortinar a identidade das imagens ora adoradas, desmascarar falsos profetas e reaver o protestantismo das mãos dos ímpios. Consumidos pelo espírito de porco do capitalismo, uma ala corrompida e sem os escrúpulos da doutrina tem cegado não apenas fiéis, mas a ética protestante, ainda presente em mãos exemplares como de Miriam Leitão, Marina Silva e outros congêneres sufocados pelo joio cultivado por mãos muito mais poderosas (e muito menos ou nada chagadas) que as de Deus.

2 comentários:

  1. Amor, que background massa é esse no seu blog?! Lindo como vc! BJô

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  2. Isso é a Lidi com uma folguinha para ser genial em quatro cliques. Obrigado pelo Lindo, linda.

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