quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Ex-futuro

         “Será que L. é?” é meu projeto de escrita mais valente. Tem a ver com a gana de me explicar para mim diante dos outros. Fui para frente do espelho nesse blog e procurei olhar para o que eu via. No último dos vinte tempos que eu dediquei a esta página concluo que vi alguém ofendido pelo desrespeito, aberto ou discreto, praticado por terceiros contra a lógica sexual dos gays. Aprendi essa indignação na teoria com o movimento feminista e na prática com os amigos. Acho insustentável tolher direitos por orientação sexual e, literalmente, coisas do gênero.
A princípio, “achar” isso não desfaz a injustiça inerente ao mundo, afinal, “debaixo de toda a vida contemporânea encontra-se latente uma injustiça profunda e irritante: a falsa suposição da igualdade real entre os homens”. Somos desiguais e pensamos igualmente desiguais.
Enraizada à homofobia está a intolerância. Discuti tolerá-la ou não. Levantei-me contra o trabalho discriminatório de igrejas, que expõe a condição sexual à noção de pecado. A questão é que igrejas trabalham sempre sob essa perspectiva. E se parece injusto repudiar a homossexualidade, que dizer do pecado original, aquele do qual sofre-se a condenação antes de se existir e torna-se réu a partir do nascimento?
Melhor é não discutir religião. Ela é cega de razão e quem lhe devota préstimos assim faz por confiança absoluta; e absoluto não é um pedaço: é o inteiro. Não adoto porque me acho desconcertado, pós-moderno ou inacabado. A vida, para o meu entendimento, não está arrematada e por aí não consigo suportar o peso desse bloco que tudo explica, de por que viemos até para onde vamos. Minhas pretensões de conhecimento são menores, céu abaixo.
Parei para observar gentes e a maneira ortodoxa como elas se comportam. Elas se comportam demais. Não se atrevem. Eu me atrevo a dizer que tendemos a sufocar em nós aquilo que vai contra a admissão dos outros. Por isso há gays que transam como héteros. Por isso há falsos héteros que não transam como as freiras. Por isso que tem hétero convicto que pode vir a ser gay. Por isso tem gay que pode deixar de ser. Por isso a bissexualidade – que para uns é dúvida e para outros é privilégio – é uma aceitável modalidade. Por isso é possível não ser nada dessas coisas para poder usar todas elas e soltar quando desgostar.
Fiz isso com profissão, com amigos, com projetos, com namoros, com estilos, com cursos, com trabalhos e agora com esse meu blog. Eu visto a camisa, mas tiro para lavar.
Antes de apagar a luz e fechar a porta; antes que você se pergunte: Será que L. é?, eu me pergunto: Será que eu sou o L.?

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A gente se vê por lá?

         Rafael Puetter teve o vídeo censurado para menores de 18 anos no You Tube. A aplicação da maior classificação restritiva possível se deveu à sátira a cenas de novela que escondem os beijos entre pessoas do mesmo sexo, ainda que tais pessoas existam como personagens. Esse ano a discussão esteve mais aguda pelo maior “povoamento por metro quadrado” de gays nos enredos de folhetins; como uma cota.
         Há muito tempo que existe e nenhum corte se impôs sobre a troça e rotulagem que fazem de homossexuais. Se a novela lança o produto da moda, o bordão, também lança o olhar da moda. A gente se vê no “por aqui” da Globo que é a tevê.
         Como a sociedade se vê gay?
         O núcleo de humor, malemolente, sem vida interessante para protagonizar e, portanto, oferece suporte para quebra das partes sérias e profundas.
         Ensaia-se uma discussão maior como na novela Insensato Coração. Nos bastidores, soubemos do embate travado entre os escritores da novela e a emissora, que pediu trégua, panos quentes e menos peso na mão. No SBT Tiago Santiago também recebeu seu não.
         Nas emissoras acusaram a má recepção da audiência para “estas cenas”. Do Google, Felix Ximenes disse que a classificação pode ser substituída por menção ao “choque” que as imagens podem causar.
         A coreografia de penetração no novo clipe da Lady Gaga está aí, arrasando. Nunca se viu nas últimas décadas um capítulo de novela sem beijo entre os de sexo diferente. Se sim, rara excessão ou infantil.
         As novelas fabricam seus vilões, seus assassinatos, seus heróis, seus modelos e muito mais a sexualidade heterossexual, que é a metade cheia do copo. Para os gays, a metade vazia. Quando muito, há gotas de concessão, só para aliviar a crítica de eventuais sedentos.
         Alguém se arrisca a responder como nos vemos gays na tevê?

domingo, 7 de agosto de 2011

A não ética protestante e o espírito de porco do capitalismo

         Parte do protestantismo foi sequestrada por interesses de mercado e de poder. A cegueira da fé também se fez ver na transferência de dinheiro e de voto dos fiéis para seus profetas. Os fatos explicam que eles são falsos na forma como se apresentam. O crente que cumpre com o papel de oferecedor acata e silencia muito mais que questiona e cobra. A transparência poderia superar a falta de claridade nas medidas ambíguas de lideranças religiosas.
         Quem leu O Bispo – A História Revelada de Edir Macedo (2007) precisa pensar em “de onde vem?” para compreender para onde a leitura pretende te levar. “Minha preocupação foi falar de um líder religioso, que é meu patrão, sem agredi-lo. E, ao mesmo tempo, sem deixar de perguntar o que todo mundo quer saber. Foi nesse fio da navalha que nós caminhamos. No capítulo ‘Dia na Igreja’, eu pergunto sobre a exploração de miseráveis”, descreveu o autor Douglas Tavolaro, vice-presidente de Jornalismo da Rede Record.
         A começar pela iniciativa do livro, que é do próprio biografado, a saia justa seria não perguntar sobre “exploração de miseráveis”, já que é a persuadir que o livro veio. Onze dias da passagem de Edir Macedo pela prisão, em cela especial de uma delegacia paulistana, são narrados como um épico de 11 anos. As perguntas embaraçosas vêm a calhar quando o que se quer é ganhar a dianteira e surpreender no jogo de cena. Década e meia desde a prisão, natural que o autoproclamado bispo tenha maturado o “como explicar?”. O combinado saiu caro porque a pergunta ensaiada “tira do repórter sua principal arma que é a segunda pergunta”. Recebi esse ensinamento profissional (veja a coluna) de minha jornalista favorita, Miriam Leitão, que converge para si a característica de protestante e a qualidade de ética.
         A obra de Odêmio Antonio Ferrari (Bispo S/A – A Igreja Universal do Reino de Deus e o Exército do Poder), de 2007, dá conta dos fenômenos nada paranormais que levaram aos céus patrimônio e domínios da IURD. A “subversão da matriz evangélica” dotou de perfil empresarial – com direito a segmentação da clientela – o projeto religioso esteado na trindade Exorcismo, Prosperidade e Cura. O bispo Macedo é evocado nos cultos da igreja como exemplo que “alcançou a meta de ser rico”.
         Alcunhar de comércio da fé é só um aspecto da tendência; assim como dizer que as consequências da sustentação pela base da cadeia – os fiéis – recaem sobre eles próprios, porque há contágio desses efeitos para mais camadas da sociedade. Numa linha rápida de causa e efeito, desautorizar homossexuais não coibe a violência contra os mesmos, ao contrário, arma o ringue para lutas contra livres. Não é do feitio da igreja literalmente bater, mas um argumento bem espelhado chega aos ouvidos de comedores de ouvidos de gays, como o que mastigou o de um pai que abraçava o filho e foram confundidos com um casal de homossexuais. Tornou a acontecer no Rio: outro confundido que apanhou sem merecer, afinal, não era gay. Quer dizer, esse dízimo que igrejas dão para a homofobia pode ser modesto, mas é miraculoso na multiplicação irrestrita dos focos de intolerância.
         O dia primeiro de agosto foi o primeiro dia dos 21 que decorrem do Jejum de Daniel, proposto pela Igreja Universal. A proposta é de desintoxicação audiovisual e, para tanto, nessas três semanas, não se pode ver nem ouvir mensagens mundanas. A cláusula implícita da faxina espiritual é não ver o canal do qual o próprio líder iurdiano é dono: a Record. Programas como “A Fazenda 4” são negação de princípios morais da Universal, mas mal necessário para leis da concorrência. Ato falho: Macedo pede que os fiéis não vejam a sujeira que também ele produz.
         Mais que jejum audiovisual, lavagem cerebral.
         A perspectiva da ação é promover o novo canal da igreja na internet, a IURD TV, inaugurada este ano. Antes da sequência de postagens diárias relativas ao Jejum de Daniel, o texto do dia 30 de julho traz como título o nome da emissora, embora dela diga pouco. Há uma frase imperativa (“Assista à programação da IURD TV”); outra (“Clique no link”) seguida de endereço para acesso; uma foto de Edir Macedo diante de um microfone em um estúdio de rádio; e um texto mais robusto, com novo título e tudo:

Toque do Espírito

Se neste momento, enquanto você lê estas palavras, sentir-se tocado por um enorme desejo de ajudar na construção do Templo de Salomão, esteja certo: o Espírito Santo é Quem opera essa vontade.

… porque Deus é Quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a Sua boa vontade.” Filipenses 2.13

Se você foi tocado, então envie seu donativo para:

Banco do Brasil
Igreja Universal do Reino de Deus
Agência 3221-2
Conta 1257-2

Banco Bradesco
Igreja Universal do Reino de Deus
Agência 3396-0
Conta 0240-2

OU

Você pode contribuir também pela internet. Acesse: doacao.arcauniversal.com

Um pedido:
Quando fizer seu depósito bancário, coloque o recibo do depósito em um envelope e entregue na IURD mais próxima de você.
Ou então, envie para o seguinte endereço:  Rua Missionários, 139- Jardim Caravelas – Santo Amaro – SP   CEP  04729 000
Esse recibo é importante para acusar o recebimento do seu donativo.
Seja abençoado em o Nome do Senhor Jesus Cristo.

         A concentração de conteúdos religiosos em um só canal desobriga a Record de ser emissora oficial da Universal. Ela é devedora disso e cai mal à reputação. A igreja não tem espaço privilegiado dentro da emissora do próprio bispo. O horário nobre fica para a disputa predatória com a Globo, os balanços gerais de quanto sangue é derramado no dia, bundas, peitos e toda a chulice da Fazenda que, imagino, não transmitem adequadamente a obra cristã.
         O espaço dado à Igreja Universal não vale as centenas de milhões que ela paga por horários ruins e pouco assistidos da Record. A vantagem de ser um dinheiro de origem não tributada, como são os lucros de igrejas, vale.
         O empresário Silvio Santos acha que a enxurrada de recursos dessas fontes que incha a receita de emissoras televisivas é concorrência desleal.
         Em âmbitos terrenos, sem a chantagem de apelar ao divino para tudo justificar, onde está a ética senão corroída pelas manobras de mais poder e de mais enriquecer?
         Há quase 11 anos a revista Veja publicava a matéria “Templo é dinheiro”, sobre o empresário, dissidente da Igreja Universal do Reino de Deus e líder da Igreja Internacional da Graça de Deus Romildo Ribeiro Soares, o R. R. Soares, à época campeão de aparições na televisão brasileira. Ele é casado com a irmã de Edir Macedo e gastava naqueles tempos 2,5 milhões de reais em contratos com a televisão. “Mas o investimento dá frutos. Apenas no último ano (o 2000), período em que apareceu no horário nobre da Gazeta, Soares aumentou o número de seus templos de 500 para 700. Estima-se que tenha hoje 500.000 seguidores ou "associados", como gosta de dizer, espalhados entre o Brasil, o Uruguai e Portugal”, calculou a reportagem.
         Onde escondeu-se a ética protestante quando os fundadores da Igreja Renascer em Cristo, Estevam e Sônia Hernandes, foram presos no aeroporto de Miami contrabandeando dólares até na capa da bíblia?
         Exemplos têm-se aos bocados, mas eles se comunicam com outros maus exemplos.
         Crescem casos de corrupção na política como cresce nela a representação evangélica. Mais e mais pastores políticos são Os Escolhidos para disputa de cargos eletivos. Pela facilidade de estarem acima de propostas e compromissos com o País. A transferência de votos pela sobreposição das figuras de líder religioso e candidato é uma realidade e um retrocesso. A fé cega nos políticos é uma brecha irresponsável. A verdade é que poucos querem se comprometer com o desgaste de vigiar seus representantes.
         Alheios à necessidade de se moralizar a própria política – lugar do qual falam , pessoas como o vereador evangélico Carlos Apolinário (DEM-SP), criador do Dia do Orgulho Hetero, comemoram o desvio de atenções do que importa (a corrupção que praticam com a coisa pública) para o que não importa (a vida afetiva que indivíduos praticam privativamente).
         Sobre o dia em louvor à homofobia (motivo manifesto de vergonha para heterossexuais), o deputado federal Jean Wyllys (PSOL) escreveu ao prefeito de São Paulo: “caro prefeito Gilberto Kassab, qual não seria o retrocesso brasileiro caso vossa excelência sancione a lei aprovada pela Câmara de São Paulo. O Dia do Orgulho LGBT (assim como o Dia da Consciência Negra ou o Dia da Mulher) corresponde a políticas públicas que visam construir a equidade por meio de um tratamento desigual para os desiguais e, ao mesmo tempo, contrapor os discursos que historicamente posicionam os homossexuais (assim como os negros ou as mulheres) como subalternos e descartáveis, destruindo sua autoestima.”
         Jean “tuitou” uma tese importante: “a direita fundamentalista tem investido pesado na perseguição aos LGBTs como cortina de fumaça. A direita fundamentalista sabe que os temas ‘morais’ chamam mais a atenção da população, desviando-a da fiscalização da corrupção. Se as pessoas repararem direito, verão que são muitos desses moralistas perseguidores de LGBTs que estão envolvidos em corrupção pesada. A maneira como LGBTs amam e celebram seu orgulho não destrói a família brasileira; o que destrói é a corrupção. A corrupção destrói a família na medida que drena o dinheiro da saúde, da educação, da segurança pública e da habitação.”
         Datena revelou que, dentre as coisas que o fizeram sair da Record, estava a impossibilidade de falar de agressões contra homossexuais. Para ele, cronista da violência, um prato cheio, transbordante, já que não cessam as ocorrências. Para ela (Record), uma cicatriz que merece maquiagem.
         Em nada a existência de homossexuais atenta contra a existência do protestantismo. O mundo é grande e nele cabemos todos. Mas no mundo fundamentalista só há espaço para quem adere às regras da seita.
         Nos campos de concentração, o triângulo rosa carimbava homossexuais na roupa. Os requintes de crueldade mudaram com o tempo e até hoje há quem ponha triângulo rosa nos gays. Não é para protegerem-se do demônio – um personagem inesgotavelmente solicitado nas transmissões televangelistas, incorporado nos seus fiéis. Parece uma constatação provocativa, mas, para efeitos espetaculares, o demônio está com eles. Tem que haver um patrono forte que ilustre o prejuízo de não doar tudo o que fulano tiver para a igreja, como simbolizou aquela criança de 9 anos retratada no vídeo orgulhosamente postado pelo bispo Edir Macedo em seu blog.
         Na mídia, a finalidade de espetáculo se faz sentir logo na fachada: tipo o nome “Show da Fé” para dar nome às pregações de R. R. Soares. Valdemiro Santiago, “apóstolo” da Igreja Mundial do Poder de Deus, opera milagres diante da tela. Uma tia, que há alguns anos sofre de esclerose múltipla, uma doença degenerativa e triste, desencantou com o poder de cura, não recebeu a graça como achou que fosse acontecer quando se deslocou rumo ao imenso culto realizado para milhares de pessoas em Goiânia, há algum tempo.
         Apesar disso, a fila anda, e a tevê continua a reverberar os casos de sucesso do benevolente Valdemiro. Na liturgia, a culpa pode ser de minha tia, mulher de pouca fé, mas acabo não conhecendo os de muita. Você conhece alguém do seu convívio que tenha recebido a graça diariamente televisionada? Ou alguém que tivera arrancado de si o diabo com a mãozinha santa de algum exorcista da Universal? Até que ponto dar vida digna aos gays lhe faz mal? Abrir os olhos para o que faz o pastor tem que indecorosidade? Malhar a orientação sexual de homossexuais tem que grau de positividade?
         Fazer a segunda pergunta ao pastor, procurar entender por que descobrir um santo para cobrir outro, questionar o cinismo das comemorações tripudiantes em relação às discriminadas minorias não é o caminho mais fácil da profissão de fé. Mas quem disse que seria fácil?
         Há uma parte protestante que precisa descortinar a identidade das imagens ora adoradas, desmascarar falsos profetas e reaver o protestantismo das mãos dos ímpios. Consumidos pelo espírito de porco do capitalismo, uma ala corrompida e sem os escrúpulos da doutrina tem cegado não apenas fiéis, mas a ética protestante, ainda presente em mãos exemplares como de Miriam Leitão, Marina Silva e outros congêneres sufocados pelo joio cultivado por mãos muito mais poderosas (e muito menos ou nada chagadas) que as de Deus.

domingo, 31 de julho de 2011

Mostrando o pau

         Se, na Constituição Federal, “a busca à felicidade” se tornar mesmo um objetivo em que o Estado e a sociedade se comprometem a “oferecer condições para”, uma troncuda cultura precisará ser demolida entre retoques e plásticas.
         A Proposta de Emenda à Constituição nº19 (PEC da Felicidade), de autoria do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), possui alinhamento com a compreensão da ONU de que a felicidade é “um objetivo humano fundamental”.
         Eu caço meios para conseguir a minha. No Congresso tem parlamentares que cassam esses meios. Ou eu chamo esses sujeitos de maioria e provoco indignação de políticos que se digam dignos do posto que ocupam ou os chamo de mais fortes que os demais colegas – os bonzinhos.
         As bancadas ruralista e evangélica sofreram um inchaço e contam com quase 190 participantes. Na prática, isso significou lobby em discussões como sobre Código Florestal, trabalho escravo, latifúndios, cota de participação de mulheres no parlamento, aborto, crimes contra homossexuais.
         Quanto mais cheias, mais poder é imputado a tais alas. Têm natureza conservadora e são determinantes para subida e queda das leis. Consigo enxergar com nitidez lucros puxados para os dois grupos. O antidemocratismo do fato é que esse conjunto panfletista é parte e fatura como se fosse o todo social.
         A tacanharia pode ser vomitivamente contemplada na aptidão dos dois grandes grupos suprapartidários para governarem em favor de si e na inépcia dos mesmos no que dita a combater a corrupção. Antes disso, promovem-na. Os casos vergonhosos da primeira metade do ano, a meu ver, são: as vaias disparadas por ruralistas quando falado na tribuna da Câmara sobre a morte do casal de extrativistas em Nova Ipixuna (PA); e as negociatas de Anthony Garotinho, vice-presidente da Frente Parlamentar Evangélica e réu condenado pela Justiça a dois anos e meio de prisão por formação de quadrilha.
         Tendo acabado de matar a cobra, nada mais possível que mostrar o pau e a linhagem de políticos dos céus e da terra, capazes de fazer brochar a felicidade de ambientalistas, ativistas de direitos humanos e, provavelmente, também a sua...




sexta-feira, 29 de julho de 2011

A pergunta que não quer calar

Se no alto dos 20 anos Douglas Igor Marques parou de sair de casa à noite e sente receio de lidar com heterossexuais é porque, aos 19, sentiu na pele o tiro dado pelo sargento acusado de homicídio duplamente qualificado. Ainda na hipótese, se Douglas tivesse morrido, entraria para a estatística dos mortos por homofobia no Brasil – o país que se reserva o discurso de aceitar o homossexual, mas condenar a prática dos homossexuais. Assim sendo, Ivanildo Ulisses Gervásio teria atirado na atitude do garoto que participou da 15ª Parada Gay do Rio e foi agredido verbal e fisicamente pelo militar. Como a atitude é obrigatoriamente a pronúncia de um corpo, o acolhido homossexual só foi atingido por – veja só que incomum! – praticar a rejeitada homossexualidade.
O nome dessa “acolhedora repulsa” cambia entre a incoerência dos que não pensam sobre o que falam e a hipocrisia dos que medem tim-tim por tim-tim o que discursam.
O televangelista Silas Malafaia discursou o amor fraternal por gays e abominou não apenas a prática como o projeto de defesa a ela: a PL122. Sabe o que ele fala, em vídeo que percorre o You Tube, a respeito da reprovação pelos congressistas da lei que pune homofobia?
“É claro que não vão aprovar nada. Porque deputado e senador não é besta. Evangélicos e católicos são maioria nesse país, e nunca os evangélicos e católicos... nós andamos juntos porque temos diferença doutrinária, mas nesse assunto nós estamos juntos. E nós não vamos dar mole pra deputado nem pra senador que apoiar uma vergonha dessas, e eles são inteligentes e sabem que vão entrar numa podre se apoiar uma pouca vergonha, um lixo moral e uma lei esdrúxula que não tem em lugar nenhum do mundo. Eu quero dizer aqui, aos senhores, que Conselho de Medicina, de Odontologia, de Engenharia, de Psicologia, até estatuto de igreja evangélica... vocês podem botar o que vocês quiserem: se ferir o preceito constitucional, não é válido. Eu vou lembrar aqui a frase do ministro relator que liberou a marcha da maconha, que eu sou contra porque maconha é crime, mas o ministro, o relator, ele diz o seguinte, o ministro Celso de Mello: ‘O pensamento deve ser livre, sempre livre, permanentemente livre’. Já tem um parecer do Supremo Tribunal Federal pra maconha, que é crime; o cara pode fazer passeata a favor. E eu não posso falar contra a prática dos homossexuais. Eu vou aonde quiserem. Eu vou até ao Supremo Tribunal Federal. Não pensa que vão me calar não”.
Se há quem o queira calar, passou ao largo de mim, que trouxe a transcrição da fala do pastor para repercutir neste espaço. Malafaia teme a criminalização da homofobia pois, se o motivo de ser contra a maconha é o fato de ser crime, tornada crime, a homofobia terá de ser defrontada por ele, que a utiliza não às vias fato, mas no verbo disparado pela língua acobertada de um manto divino chamado estou-certo-porque-digo-que-falo-em-nome-de-Deus-e-está-errado-quem-fala-contra-minha-palavra.
Setenta e sete por cento dos evangélicos ouvidos pelo Ibope desaprovam a união estável entre casais do mesmo sexo. De acordo com a pesquisa, é a parte da balança que mais pesa pesado contra a igualdade de direitos entre casais de mesmo e de diferente sexo. Mais que pessoas com mais de 50 anos (73%); mais que quem estudou até a quarta série do ensino fundamental (68%); mais que homens (63%); mais que as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste (60%); mais que a média brasileira (55%).
A preocupação doutrinária com uma lei que puna a homofobia é imensa para lideranças evangélicas porque eles temem ser punidos.
Para não abrir precedente, o deputado Anthony Garotinho, vice-presidente da bancada evangélica no Congresso (composta por mais de 70 deputados federais), fez chantagem com o governo na época do caso Palocci, quando chamou o ex-chefe da Casa Civil de diamante de 20 milhões. Garotinho chegou a assumir a conduta.
“Hoje em dia, o governo tem medo de convocar o ministro Antonio Palocci. Temos de sair daqui e dizer que, caso o ministro da Educação não retire esse material (o kit anti-homofobia) de circulação, todos os deputados católicos e evangélicos vão assinar um documento para trazer o Palocci à Câmara.”
Ou seja, a depender da “troca de favores”, Palocci escaparia.
Já o presidente da bancada evangélica, o deputado, delegado e pastor João Campos questionou a veracidade dos números de assassinatos no país decorrentes de homofobia.
“Estão dizendo que, em todos os casos de assassinato de homossexuais, a motivação foi a homofobia. Será que é verdade? Qual o perfil dos autores desses assassinatos? São os companheiros ou terceiros? Será que tem alguma motivação relacionada com droga, álcool, prostituição? Será homofobia ou o gay está sendo vítima de violência da mesma forma que o heterossexual? (...) Nós precisamos passar essas informações a limpo, para ninguém ser induzido ao erro”.
Concordo que gay está sendo vítima da mesma violência que heterossexual. Esses dias, além de agredido, um pai teve a orelha decepada por abraçar o filho e aparentar serem um casal gay.
Se a bala que disparou contra Douglas tivesse lhe matado e ele se juntasse às estatísticas de mortes no Brasil decorrentes de homofobia, seria mais um silenciado de quem João Campos poderia questionar o mérito do assassinato. Como delegado e, portanto, conhecedor dos bastidores policiais, aposto que ele bem sabe o quão mortos não se defendem nem da sanha de policiais que matam por amor ao gatilho.
Sem incoerência, sem hipocrisia, a pergunta que o Ibope não fez é: quanto dos 77% confunde homilia com homofobia?

segunda-feira, 25 de julho de 2011

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Sábado de cinzas, domingo da paixão; me debelei no final de semana. Eu não soube sofrer a morte de Amy Winehouse e acompanhei à distância os casamentos em Nova York. A sensação é de deslocamento, de não ser fisgado pela bossa que a todos açoda. O trocadilho é involuntário, mas sou gago pra cantar Gaga. Qualquer dancinha de boate me faz o sujeito mais estranho da face da pista. A vantagem que sinto em Amy é a fidelidade ao destino sem evitação de infortúnios. Cheiro os meus problemas. Chafurdo a minha lama. A diferença é que morro anônimo aos noventa. Não sou de lançar tendência. Alexander McQueen é. Sou cheio de dizer não. 'Não' não basta. Tem que dizer "não, não, não". Não é do meu temperamento desbaratar palavras com angústias, essas que, com tensão... disse anteontem Beauvoir, na página vinte e dois que estava no livro sobre a mesa empoeirada na fazenda: “a angústia e a tensão da existência autenticamente assumida”. É isso que eu acho, é isso que eu tento para mim. Troquei o certo na mão pelo pássaro duvidoso voando. “Não se sabe muito precisamente o que significa a palavra felicidade”. Só vejo relevo mercantil para querê-la. Depressão também é produto, induz ao consumo. Escolha qual a dose indefectível pra sua garganta enquanto eu postergo a atitude existencial na tentativa falível de um clímax aqui no blog.
Enquanto você também não vai de vez como um Heath Leadger nu com mãos no bolso, volte sempre!

domingo, 24 de julho de 2011

Não abrace, não mostre. Não pergunte, não conte

Nossa política disfarçada de alimentar o preconceito está sofrendo quebra de sigilo. Não é que mais pessoas encontram-se em pleno estado de consciência sobre quanta homofobia se pratica no Brasil. Este mês, o britânico The Guardian noticiou como a prefeitura do Rio tem batalhado para se tornar capital mundial do turismo gay. Ano passado, a comunidade LGBT representou um quarto das visitas à cidade.
O entrave, porém, está cartografado: o Rio de Janeiro está no Brasil, e o Brasil está ranqueado como o mais homofóbico do mundo. Em 2009, a cada dois dias um homossexual foi assassinado no país. Segunda e terceira colocações (México e Estados Unidos) registraram, respectivamente, 35 e 25 casos que, juntos, são 30% das mortes brasileiras.
Concluindo: ganhamos perdendo.
Ou, concluindo ainda melhor: ganhamos perdendo com folga; e no longo prazo.
Homofobia é uma das caligrafias possíveis para dizer violência. Racismo é outra variante. No mês anterior, pelo campeonato russo, o jogador Roberto Carlos deixou o campo visivelmente chateado após jogarem uma banana no gramado. Em março a seleção brasileira “provou da mesma fruta” jogando em Londres. O volante Lucas precisou retirar a casca de banana jogada da arquibancada. A vitória de 2 a 0 contra a Escócia garantiu a derrota do Brasil para o preconceito.
         O discriminado é um passageiro de segunda classe. Mas todos os envolvidos – agressores e atacados – viajam o mundo na direção contrária ao embarcar com itinerário que leva do presente para o passado.
         A violência simbólica da casca de banana é a mesma na qual tropeçam homossexuais sob discursos irados de um bocado de líderes religiosos que tenta arrogantemente ultrapassar Deus, superando a tese de amar o semelhante (e quer mais semelhante do que alguém que tenha o mesmo sexo que o seu?) para excluir de gays a “salvação” – a não ser que nos arrependamos...
         (“Deus, estou arrependido de ser gay. Acho uma pena ter passado esses anos desejando homens enquanto há tantas mulheres por aí. Sei que é por temor a ti que verdadeiros cristãos atingem a ereção pelas cristãs. Não é nenhuma libido que os move, apenas a necessidade de perpetuação da espécie e de culto ao Senhor. É a vontade de reprodução que os leva ao sexo, já que o sexo pelo simples prazer do gozo é uma conspurcação. Sei que se fosse determinado pelas escrituras sagradas o desapego de sua orientação sexual [como foi a Jó determinado desapegar-se de seus bens], os heterossexuais tementes não teriam o menor problema em passar a desejar outros homens e seus paus seriam indiferentes a qualquer decote feminino. Tenho certeza de que alguns heterossexuais, sendo maioria e historicamente tendo mais voz na sociedade, não se aproveitam do fato de gostarem do sexo oposto para dizer que este jeito é o correto em relação ao outro”).

         Quando o pastor Silas Malafaia esteve em audiência pública da Câmara Federal para discutir o Estatuto das Famílias, a televisão foi mencionada como vilã na degringolada deste núcleo social. Ele advertiu que nós sabemos quem está por trás, operando a mídia. Claro, ele não falava diretamente do demônio, mas de pessoas que contrariam sua doutrina.
         O fracasso dessa defesa está na impossibilidade de haver outra versão familiar possível. Venhamos e convenhamos: excluir o merecimento existencial de uma experiência familiar homoafetiva é nazificar a religião, é um “vetar judeus”. “Aceitamos o homossexual, o que nós não aceitamos é a homossexualidade (???)”. O vereador Jean Wyllys disse coisa parecida em entrevista para Marília Gabriela, ironizando o discurso hipócrita de uns fiéis.
Jean venceu o Big Brother Brasil. Marcelo Dourado, idem. O primeiro trouxe a pauta “dignidade LGBT” à televisão. O segundo propôs uma desconstrução do politicamente correto. A tevê tem natureza retalhada e instantânea. Produto televisivo, a telenovela é uma obra aberta e permite-se experimentar tal como mudar o plano no meio do percurso. A Rede Globo fez um desbaste onde detectou excessos na militância gay em Insensato Coração. Com a novela, muitos assuntos entraram na ordem do dia. Lato e stricto sensu, conheço casos de pais liberais até o passo em que souberam da homossexualidade dos filhos e sei das etapas para aceitar a si e ser aceito pelos pais. Trazer o gay ao convívio dos eleitos é o mais importante. Gravar a cena do beijo (já mostrada em Amor e Revolução) é a consequência que tem a ver menos com dramaturgia que com transformações sociais e políticas.
Nesta estação de proporções continentais chamada América, enquanto a contradança do Congresso brasileiro fez naufragar o PL 122 e o kit anti-homofobia não vingou, os Estados Unidos embarcaram em outra direção. O presidente Obama entende que é inconstitucional tratar homossexuais de forma diferenciada. Foi revogada de uma vez por todas, na sexta-feira (22), a lei “Don’t ask, don’t tell”, e militares gays poderão sair do armário. Na Califórnia, a SB48 garantirá reconhecimento da luta e conquista homossexual nos livros didáticos. O governador Jerry Brown defende que a História deve ser honesta.
A bomba que os americanos estão desarmando é a mesma que explode por aqui, cada vez na mão de mais vítimas. Não são só gays os prejudicados. Homofobia se espraia e dias atrás soubemos de pai e filho que, abraçados em público, foram espancados. As aparências enganaram um grupo de batedores que entenderam a cena como demonstração homoafetiva de um casal. O pai teve a orelha decepada pelos dentes de um carnívoro que tem a vontade literal de comer gays.
Se não houver esforço conjunto para reprimir a homofobia, por triste que pareça, orelha será apenas prato de entrada.