domingo, 24 de julho de 2011

Não abrace, não mostre. Não pergunte, não conte

Nossa política disfarçada de alimentar o preconceito está sofrendo quebra de sigilo. Não é que mais pessoas encontram-se em pleno estado de consciência sobre quanta homofobia se pratica no Brasil. Este mês, o britânico The Guardian noticiou como a prefeitura do Rio tem batalhado para se tornar capital mundial do turismo gay. Ano passado, a comunidade LGBT representou um quarto das visitas à cidade.
O entrave, porém, está cartografado: o Rio de Janeiro está no Brasil, e o Brasil está ranqueado como o mais homofóbico do mundo. Em 2009, a cada dois dias um homossexual foi assassinado no país. Segunda e terceira colocações (México e Estados Unidos) registraram, respectivamente, 35 e 25 casos que, juntos, são 30% das mortes brasileiras.
Concluindo: ganhamos perdendo.
Ou, concluindo ainda melhor: ganhamos perdendo com folga; e no longo prazo.
Homofobia é uma das caligrafias possíveis para dizer violência. Racismo é outra variante. No mês anterior, pelo campeonato russo, o jogador Roberto Carlos deixou o campo visivelmente chateado após jogarem uma banana no gramado. Em março a seleção brasileira “provou da mesma fruta” jogando em Londres. O volante Lucas precisou retirar a casca de banana jogada da arquibancada. A vitória de 2 a 0 contra a Escócia garantiu a derrota do Brasil para o preconceito.
         O discriminado é um passageiro de segunda classe. Mas todos os envolvidos – agressores e atacados – viajam o mundo na direção contrária ao embarcar com itinerário que leva do presente para o passado.
         A violência simbólica da casca de banana é a mesma na qual tropeçam homossexuais sob discursos irados de um bocado de líderes religiosos que tenta arrogantemente ultrapassar Deus, superando a tese de amar o semelhante (e quer mais semelhante do que alguém que tenha o mesmo sexo que o seu?) para excluir de gays a “salvação” – a não ser que nos arrependamos...
         (“Deus, estou arrependido de ser gay. Acho uma pena ter passado esses anos desejando homens enquanto há tantas mulheres por aí. Sei que é por temor a ti que verdadeiros cristãos atingem a ereção pelas cristãs. Não é nenhuma libido que os move, apenas a necessidade de perpetuação da espécie e de culto ao Senhor. É a vontade de reprodução que os leva ao sexo, já que o sexo pelo simples prazer do gozo é uma conspurcação. Sei que se fosse determinado pelas escrituras sagradas o desapego de sua orientação sexual [como foi a Jó determinado desapegar-se de seus bens], os heterossexuais tementes não teriam o menor problema em passar a desejar outros homens e seus paus seriam indiferentes a qualquer decote feminino. Tenho certeza de que alguns heterossexuais, sendo maioria e historicamente tendo mais voz na sociedade, não se aproveitam do fato de gostarem do sexo oposto para dizer que este jeito é o correto em relação ao outro”).

         Quando o pastor Silas Malafaia esteve em audiência pública da Câmara Federal para discutir o Estatuto das Famílias, a televisão foi mencionada como vilã na degringolada deste núcleo social. Ele advertiu que nós sabemos quem está por trás, operando a mídia. Claro, ele não falava diretamente do demônio, mas de pessoas que contrariam sua doutrina.
         O fracasso dessa defesa está na impossibilidade de haver outra versão familiar possível. Venhamos e convenhamos: excluir o merecimento existencial de uma experiência familiar homoafetiva é nazificar a religião, é um “vetar judeus”. “Aceitamos o homossexual, o que nós não aceitamos é a homossexualidade (???)”. O vereador Jean Wyllys disse coisa parecida em entrevista para Marília Gabriela, ironizando o discurso hipócrita de uns fiéis.
Jean venceu o Big Brother Brasil. Marcelo Dourado, idem. O primeiro trouxe a pauta “dignidade LGBT” à televisão. O segundo propôs uma desconstrução do politicamente correto. A tevê tem natureza retalhada e instantânea. Produto televisivo, a telenovela é uma obra aberta e permite-se experimentar tal como mudar o plano no meio do percurso. A Rede Globo fez um desbaste onde detectou excessos na militância gay em Insensato Coração. Com a novela, muitos assuntos entraram na ordem do dia. Lato e stricto sensu, conheço casos de pais liberais até o passo em que souberam da homossexualidade dos filhos e sei das etapas para aceitar a si e ser aceito pelos pais. Trazer o gay ao convívio dos eleitos é o mais importante. Gravar a cena do beijo (já mostrada em Amor e Revolução) é a consequência que tem a ver menos com dramaturgia que com transformações sociais e políticas.
Nesta estação de proporções continentais chamada América, enquanto a contradança do Congresso brasileiro fez naufragar o PL 122 e o kit anti-homofobia não vingou, os Estados Unidos embarcaram em outra direção. O presidente Obama entende que é inconstitucional tratar homossexuais de forma diferenciada. Foi revogada de uma vez por todas, na sexta-feira (22), a lei “Don’t ask, don’t tell”, e militares gays poderão sair do armário. Na Califórnia, a SB48 garantirá reconhecimento da luta e conquista homossexual nos livros didáticos. O governador Jerry Brown defende que a História deve ser honesta.
A bomba que os americanos estão desarmando é a mesma que explode por aqui, cada vez na mão de mais vítimas. Não são só gays os prejudicados. Homofobia se espraia e dias atrás soubemos de pai e filho que, abraçados em público, foram espancados. As aparências enganaram um grupo de batedores que entenderam a cena como demonstração homoafetiva de um casal. O pai teve a orelha decepada pelos dentes de um carnívoro que tem a vontade literal de comer gays.
Se não houver esforço conjunto para reprimir a homofobia, por triste que pareça, orelha será apenas prato de entrada.

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