domingo, 17 de julho de 2011

Apetite

         Em bandeja métrica e de madeira – o palco –, para centenas de comensais, a cidade inventada de Thiago Pethit, Berlim, Texas, foi servida ontem (16) em Goiânia, Goiás.
         Prato quente, se Pethit deu dissabor a Gloria Kalil, foi pela letra h, um transbordo para o sentido de pequeno a que o sobrenome artístico possa ter se sujeitado no francês.
         (Porque ele é e tem uma fração maior que pequeno).
         Em nome da proporção assinada por cada um, Lea T traz trans em caixa-alta. A modelo deu luz meridiana ao lado penumbroso da vida que leva. “Remédio, terapias, operações e preconceito”, enumerou.
         Minha amiga Mel, anos antes referida Michel, tirou “ich” do nome, “ixe!” da boca de terceiros e assinou Mel.
         Implica que Mel não é Michel e Lea T não é Thiago Pethit. Essas iguarias estão contidas em cardápio não mais sonegado.
         No programa Roda Viva, em maio, Ney Matogrosso identificou que entre as personalidades LGBTs da Rede Globo não acontece uma diáspora do armário. Neste caso, vira metalinguagem a resistência de Sueli (Louise Cardoso) em aceitar o relacionamento do filho Eduardo (Rodrigo Andrade) com Hugo (Marcos Damigo), na novela das nove. O objetivo dramático do percalço é orientar a trama para a virada, onde a mãe admite a orientação do filho – e com isso ensina aos espectadores didaticamente.
         Está longe de ser um projeto das emissoras de televisão. Depois do beijo entre Giselle Tigre e Luciana Vendramini, na novela “Amor e Revolução”, o SBT recuou da decisão de transmitir o primeiro beijo entre homens na telenovela brasileira devido à insatisfação do “público em geral”. O “Domingo Espetacular”, da Record, gastou minutos e profissionais gabaritados para exibir uma ridícula reportagem sobre o kit anti-homofobia, ideologicamente tratado como kit gay.
         Deplorável é o descaminho do empresário da Igreja Universal do Reino de Deus, Edir Macedo, ao expor um garoto de nove anos que, ante a “possessão” da mãe, é vergonhosamente induzido a vender todos os brinquedos que tem para doar o dinheiro à Igreja sob a promessa de ver os pais felizes e curados do demônio. No vídeo, por trás desse plano diabólico, em segundo plano, labaredas artificiais (tanto quanto o teor da promessa) adornam a “Fogueira Santa de Israel”, que cobra sacrifício dos fiéis e interpreta que sacrifício sejam doações volumosas para a Igreja, que se capitaliza sem pagar impostos, que esguicha o dinheiro não tributado da Universal em horários da madrugada na Record a preços fora de mercado, que infunde o projeto doutrinário no meio forte de comunicação que é a emissora, que rejeita tolerância e igualdade de pesos e direitos para homossexuais e que esconde a origem infernal da combustão desse fogo.
         Ontem, no show, prestei culto à interpretação e voz do autor e prefeito de Berlim, Texas. Variante, não fixada, grave e delicada. Sou cidadão daquela cidade inventada. Meus votos são de que nem todo h sobrado mereça gay como explicação. Por outro lado, que um T de trans também haja. Que descubram Mel em Michel.
         Eu, por exemplo, tenho fome de Pethit.

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