terça-feira, 5 de julho de 2011

Amanhã é 23

Amanhã alcanço a idade mais próxima da chegada dos espirituosos vinte e quatro anos: os vinte e três. Aniversariar é ser felicitado pelo fechamento do ciclo etário, ano em ano. Passando o seis de julho, minha luta é por completar vinte e quatro. Nesta véspera, o vespeiro foi espojado por Ghulam Nabi Azad, ministro da Saúde indiano. Em conferência sobre a aids, ele declarou a homossexualidade como doença, como anormalidade.
Doenças são impositivas; negativas. Não deixam alguns afetados comemorarem o ano seguinte. Pior que tê-la é ganhá-la. Talvez meu esgotamento seja a áspera luta por cada dia sobrevivido. Custou força braçal descortinar o que eu escondia em mim de mim. Destampar homossexualidade com uma mão e tapá-la com a outra; esconde-esconde doentio.
Ser gay é Eisenstein, efeito cinematográfico de luz e sombra, drama. Por isso desde os nove subir no palco e interpretar meu modelo shakespeariano. Por isso ter ido para a faculdade estudar cinema. Por isso mudar para São Paulo atrás de uma pós-graduação em roteiro. Por isso declinar do sonho. Por isso a racionalidade pós-desencantamento. Por isso da mudança de roteiro.
Meu ano XXIII está em fase terminal, e eu, lutando em oposição ao luto, corro o hoje por quase vinte horas, desde as quatro da manhã, atrás do dia seguinte, querendo faturar o que ainda não veio. Uma ânsia perfeccionista dos prejudicados, dos, com pênis, castrados.
Rotula-se que gays sejam inteligentes (pra não serem, fora veados, burros), sensíveis (porque sofrem a subtração do substantivo “homens” ainda que o sejam, não importa se héteros ou homossexuais) e educados (por saberem da pele à alma o que é o desrespeito de um ministro da Saúde e seus anteriores que notificam a “doença da orientação”).
Ainda fui contemplado com o canhotismo – o uso, à contramão da maioria, da mão esquerda. Sei o que é diversidade e me aperfeiçoei todo esse tempo em aceitar o outro, em me dobrar às intenções da puta de Plínio Marcos, Neusa Sueli (em cena, já a vivi).
A chegada do amanhã para um gay neste planeta terceiro-mundista contaminado de preconceito é uma vitória. A homofobia é a aids para gays. Mata e suicida. Pisoteia e deprecia. Emagrece e desvitaliza.
Não tenho aids, e ainda que não, um ministro me conclama soropositivo. Não é atrás da aids que corremos. Buscar consciência do próprio valor é saudável.
Quero de presente que o preconceito dê seu último suspiro e não resista.

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