sexta-feira, 29 de julho de 2011

A pergunta que não quer calar

Se no alto dos 20 anos Douglas Igor Marques parou de sair de casa à noite e sente receio de lidar com heterossexuais é porque, aos 19, sentiu na pele o tiro dado pelo sargento acusado de homicídio duplamente qualificado. Ainda na hipótese, se Douglas tivesse morrido, entraria para a estatística dos mortos por homofobia no Brasil – o país que se reserva o discurso de aceitar o homossexual, mas condenar a prática dos homossexuais. Assim sendo, Ivanildo Ulisses Gervásio teria atirado na atitude do garoto que participou da 15ª Parada Gay do Rio e foi agredido verbal e fisicamente pelo militar. Como a atitude é obrigatoriamente a pronúncia de um corpo, o acolhido homossexual só foi atingido por – veja só que incomum! – praticar a rejeitada homossexualidade.
O nome dessa “acolhedora repulsa” cambia entre a incoerência dos que não pensam sobre o que falam e a hipocrisia dos que medem tim-tim por tim-tim o que discursam.
O televangelista Silas Malafaia discursou o amor fraternal por gays e abominou não apenas a prática como o projeto de defesa a ela: a PL122. Sabe o que ele fala, em vídeo que percorre o You Tube, a respeito da reprovação pelos congressistas da lei que pune homofobia?
“É claro que não vão aprovar nada. Porque deputado e senador não é besta. Evangélicos e católicos são maioria nesse país, e nunca os evangélicos e católicos... nós andamos juntos porque temos diferença doutrinária, mas nesse assunto nós estamos juntos. E nós não vamos dar mole pra deputado nem pra senador que apoiar uma vergonha dessas, e eles são inteligentes e sabem que vão entrar numa podre se apoiar uma pouca vergonha, um lixo moral e uma lei esdrúxula que não tem em lugar nenhum do mundo. Eu quero dizer aqui, aos senhores, que Conselho de Medicina, de Odontologia, de Engenharia, de Psicologia, até estatuto de igreja evangélica... vocês podem botar o que vocês quiserem: se ferir o preceito constitucional, não é válido. Eu vou lembrar aqui a frase do ministro relator que liberou a marcha da maconha, que eu sou contra porque maconha é crime, mas o ministro, o relator, ele diz o seguinte, o ministro Celso de Mello: ‘O pensamento deve ser livre, sempre livre, permanentemente livre’. Já tem um parecer do Supremo Tribunal Federal pra maconha, que é crime; o cara pode fazer passeata a favor. E eu não posso falar contra a prática dos homossexuais. Eu vou aonde quiserem. Eu vou até ao Supremo Tribunal Federal. Não pensa que vão me calar não”.
Se há quem o queira calar, passou ao largo de mim, que trouxe a transcrição da fala do pastor para repercutir neste espaço. Malafaia teme a criminalização da homofobia pois, se o motivo de ser contra a maconha é o fato de ser crime, tornada crime, a homofobia terá de ser defrontada por ele, que a utiliza não às vias fato, mas no verbo disparado pela língua acobertada de um manto divino chamado estou-certo-porque-digo-que-falo-em-nome-de-Deus-e-está-errado-quem-fala-contra-minha-palavra.
Setenta e sete por cento dos evangélicos ouvidos pelo Ibope desaprovam a união estável entre casais do mesmo sexo. De acordo com a pesquisa, é a parte da balança que mais pesa pesado contra a igualdade de direitos entre casais de mesmo e de diferente sexo. Mais que pessoas com mais de 50 anos (73%); mais que quem estudou até a quarta série do ensino fundamental (68%); mais que homens (63%); mais que as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste (60%); mais que a média brasileira (55%).
A preocupação doutrinária com uma lei que puna a homofobia é imensa para lideranças evangélicas porque eles temem ser punidos.
Para não abrir precedente, o deputado Anthony Garotinho, vice-presidente da bancada evangélica no Congresso (composta por mais de 70 deputados federais), fez chantagem com o governo na época do caso Palocci, quando chamou o ex-chefe da Casa Civil de diamante de 20 milhões. Garotinho chegou a assumir a conduta.
“Hoje em dia, o governo tem medo de convocar o ministro Antonio Palocci. Temos de sair daqui e dizer que, caso o ministro da Educação não retire esse material (o kit anti-homofobia) de circulação, todos os deputados católicos e evangélicos vão assinar um documento para trazer o Palocci à Câmara.”
Ou seja, a depender da “troca de favores”, Palocci escaparia.
Já o presidente da bancada evangélica, o deputado, delegado e pastor João Campos questionou a veracidade dos números de assassinatos no país decorrentes de homofobia.
“Estão dizendo que, em todos os casos de assassinato de homossexuais, a motivação foi a homofobia. Será que é verdade? Qual o perfil dos autores desses assassinatos? São os companheiros ou terceiros? Será que tem alguma motivação relacionada com droga, álcool, prostituição? Será homofobia ou o gay está sendo vítima de violência da mesma forma que o heterossexual? (...) Nós precisamos passar essas informações a limpo, para ninguém ser induzido ao erro”.
Concordo que gay está sendo vítima da mesma violência que heterossexual. Esses dias, além de agredido, um pai teve a orelha decepada por abraçar o filho e aparentar serem um casal gay.
Se a bala que disparou contra Douglas tivesse lhe matado e ele se juntasse às estatísticas de mortes no Brasil decorrentes de homofobia, seria mais um silenciado de quem João Campos poderia questionar o mérito do assassinato. Como delegado e, portanto, conhecedor dos bastidores policiais, aposto que ele bem sabe o quão mortos não se defendem nem da sanha de policiais que matam por amor ao gatilho.
Sem incoerência, sem hipocrisia, a pergunta que o Ibope não fez é: quanto dos 77% confunde homilia com homofobia?

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